Nos Preâmbulos da Depressão (Texto II)
Silêncio, nostalgia...
Hora morta, desfolhada,
sem dor, sem alegria,
pelo tempo abandonada.
Luz de Outono, fria, fria...
Hora inútil e sombria
de abandono.
Não sei se é tédio, sono,
silêncio ou nostalgia.
Interminável dia
de indizíveis cansaços,
de funda melancolia.
Sem rumo para os meus passos,
para que servem meus braços,
nesta hora fria, fria?
Fernanda de Castro
Através do
poema, levamos-lhe o retrato digitalizado da Depressão.
Nele, habita a nostalgia de um passado que não mais pode ser, onde os
rasgos da memória persistem em manter vivos resquícios de felicidade, que
esquadrinham caminho para a solidão. O silêncio denuncia a dor, acutilante, que
destrói o corpo e a alma. Dor que esmaga, que fere e que entorpece. Dor que
perpassa pelo corpo, atravessando as entranhas e aflorando na pele. Dor
macilenta, que enfraquece o brilho da vida, como luz liquefeita num dia
cinzento.
Assim é, também, o retrato do doente deprimido. Para quem a depressão
encontra terreno fértil no esboçar da solidão. Cuja voz cala, gritando apenas
para dentro. Onde as lágrimas são espelho de sofrimento, esse que, ainda que
vencido pelo cansaço, persiste interminavelmente. Fechado para o mundo, em si
lavra a dor que carrega no corpo, movendo-se sob tamanho peso, numa letargia
mortífera. Diante de tão difíceis passos, resta o sono, o tédio e o marasmo.
Nada mais interessa, nada mais importa. Os braços não têm como erguer tão
grandioso pesar.
E assim são passados anos, num imenso desencontro consigo. Com eles,
vão ficando a saudade do que foi e a amargura pelo que poderia ser, numa teia
que se esgrime a passos largos, num afundamento profundo. Teia que se estende
para além de si, aprisionando aqueles que da sua vida fazem parte (e continuam
a fazer), ainda que, muitas vezes, disso não se aperceba. A depressão é,
efectivamente, para um largo espectro de pessoas, um sofrimento partilhado, que
envolve e lacera terceiros. Contrastando com a convicção do doente deprimido de
que está sozinho e incapaz de escapar ao sucumbir da dor mental, estão consigo,
lado a lado mas eventualmente sem se tocarem, alguns significativos. Estes
últimos, à espera de uma oportunidade para ajudar, num sofrimento e impotência
violentíssimos.
É, assim, necessário criar um espaço de encontro para o doente
deprimido. De encontro, primordialmente consigo, mas não apenas. De encontro
com a realidade, com o outro, num trabalho que se faz pela contenção da dor,
pela vivência e transformação do luto e pelo caminho para a liberdade.
Fale connosco,
O Canto da Psicologia
Dr.ª Joana Alves Ferreira
Em primeiro lugar, que texto bem escrito, Dra. Joana! Muito esclarece-dor, profundo, objetivo e claro. Um texto tocante neste momento, em que uma enorme parte da população mundial sofre de depressão e quem não está doente tem alguém muito próximo acometido pela doença. Em um contexto opressivo como o que vivemos, em que as insatisfações e dores diárias se acumulam, nosso organismo vai sendo esgarçado numa tentativa nossa de suportar o que, às vezes, ultrapassa nossos limites...tanto quem passa quanto quem está perto querendo ajudar pelo menos estando junto para dar suporte à dor e oferecer o maior remédio que eu penso poder ser dado nessa hora, o amor, sofrem com essa enorme e muito dolorosa doença da alma... A depressão se assemelha a um moinho tentando nos tragar todo o tempo. É muito grande e doída a luta para se recuperar desta enfermidade. Um grande abraço a todos da equipe! E obrigada, mais uma vez, pela partilha!
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