Os
meus pais dizem que o mundo é complicado! Dizem isso muitas vezes quando lhes
faço perguntas assim…difíceis.
Quando há coisas que eu não compreendo eu pergunto a eles…e há muitas coisas
que eu não compreendo.
Por exemplo, quando
falo com eles sobre o meu amigo Zé. O meu amigo Zé…os outros meninos acham que
ele é estranho…dizem coisas. Eu só acho que ele é diferente, o que eu acho é
que eu sou diferente dele! O Zé senta-se numa carteira sozinho, junto à mesa da
professora, ele tem os livros dele e vai aprendendo coisas que eu e os meus
amigos já aprendemos noutras classes. O Zé não gosta de dar chutos na bola de
futebol, mas gosta muito da minha bolinha prateada que tá pendurada no fecho da
minha mala. Eu todos os dias falo com ele, digo sempre Olá e se ele estiver
sozinho no recreio vou para o lado dele…às vezes conto histórias, como o Zé não
fala…é assim ele quase não fala, mas fala muito pouquinho. Então eu falo para
ele, ele não olha para mim mas eu acho que ele ouve as minhas histórias e acho
que sabe que sou amigo dele. Quando estou ao pé dele ele nunca vai embora, por
isso deve saber! Os outros amigos não brincam com ele, só querem chutar a bola
de futebol e um disse que ele tinha autismo!! Perguntei à minha mãe se eu podia
ter autismo, mas a minha mãe ficou esquisita e fez uma cara de boneco ou assim.
E disse: - Não! Claro que não! Tu não
tens autismo! - E eu perguntei a ela: Mas sabes como posso ter ou se posso
comprar para mim e para os meus amigos? Assim podíamos brincar com o meu amigo
Zé!! E pronto a minha mãe disse que era complicado e que não era uma coisa que
escolhemos e assim. Mas o que eu acho é que o que ela não sabe é que o que é
complicado é o Zé não ter ninguém que conheça as suas brincadeiras e consiga
brincar mesmo mesmo com ele percebes? Isso é que é difícil não é?
E
torna-se irresistível responder ao Manel que sim. Sim isso é que difícil Manel,
viver e olhar um mundo que parece desejar constantemente que todos se ajustem a
ele, sem que este desça ao chão e não brinque com o que seria suposto, olhe
pormenores que mais ninguém consegue ver, que se silencie e tente traduzir uma
linguagem que não entende, entre tantas outras coisas. O Manel aos 7 anos
apenas desejava estabelecer uma ponte, uma ponte com ambos os sentidos, mas que
estava disposto na altura da sua bravura a atravessar em primeiro e conhecer um
terreno encapsulado de emoções e misterioso em fantasias. E como é simples
criar pontes emocionais que em vez de pressionar e coagir vincadamente os
muitos “Zés” que apenas vivem do “outro lado do rio”, permitam ir a esse lado
do rio e olhar primeiramente a margem de cá. E aí sim sentir entre os dedos uma
bola prateada de metal presa numa mochila e fixar o olhar no céu e ver para lá
das nuvens e do profundo azul, e fazê-lo ali mesmo acompanhado por aquele amigo
e outros amigos, até que se seja possível sentir pela primeira vez o olhar nos
olhos e, talvez, e o dizer do nome. Há “magias” que só acontecem quando somos
brilhantemente capazes de enfrentar os medos e os estereótipos e atravessar a
ponte para o “outro lado do rio”.
Drª Joana Cloetens
O Canto da Psicologia
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