Cada vez mais há
registro de adultos que sofrem de doença mental, segundo dados recentes
Portugal é o país da Europa com mais prevalência de doenças mentais na
população com uma percentagem de 22,9% (dados do relatório de Saúde Mental
2018). Podemos identificar múltiplos motivos para estes resultados, desemprego,
baixos salários, falta de condições e oportunidades, embora verdadeiros, existe
uma razão que é fundamental (muitas vezes subestimada) que está relacionada com
os primeiros anos de vida que são fulcrais na construção de identidade base do
individuo. A forma como o adulto gere a sua ansiedade/depressão está estreitamente
relacionado com a qualidade das relações precoces e do ambiente familiar mais
ou menos disfuncional.
Estamos numa sociedade que ignora completamente a primeira
infância, apesar das inúmeras e exaustivas investigações científicas que
sublinham a importância, desta fase de desenvolvimento, para saúde quer física
quer mental do futuro adulto. Sabemos que nos países ditos “mais desenvolvidos”
no Norte da Europa os pais podem ter direito a 3 anos de baixa, de forma a
poderem dar a atenção necessária e a qualidade relacional ao seu bebé. Contudo
em Portugal a realidade é bem diferente pelo que as consequências têm vindo a
notar-se, cada vez mais se medicam as crianças e se diagnosticam com atraso de
desenvolvimento, hiperatividade e deficit de atenção.
À medida que a sociedade avança mais parece que se
desumaniza, os bebés não têm direito a ficar bebés, as crianças têm de crescer
rapidamente e, depois, transformam-se em adultos incompletos, com falhas no
desenvolvimento psicoafectivo, de difícil acompanhamento psicoterapêutico. A
prevenção é, assim, totalmente ignorada e consequentemente multiplicam-se as
problemáticas na saúde mental. Segundo dados da OMS estima-se que em 2030 a
Depressão seja a doença com mais incidência no mundo, esta doença mental tem
vindo a aumentar.
Neste sentido porquê falar do desenvolvimento infantil? A
infância é como a coluna vertebral da identidade do sujeito, a base da pirâmide
psíquica. A qualidade das interações precoces com o bebé vão promover um
sentido de pertença e de segurança, na criança, que irá se repercutir até a
fase adulta.
Mitos sobre o
desenvolvimento dos bebés: “O bebé ou a criança não percebem nada do que se
diz ou se faz... Apenas querem cuidados básicos desprovidos de afetos...
O ambiente familiar não influencia os bebés, pois ainda não têm consciência” Estão completamente incorretos, os bebés são
autênticas esponjas emocionais, detetam e sentem, na pele, todos os ambientes afetivos
exteriores. Se a família for muito disfuncional e ansiosa, se os pais promoverem
ambientes conflituosos, então os bebés irão sofrer tal como os pais.
Estudos revelam que o recém-nascido apresenta elevados graus
de cortisol que consiste numa hormona responsável
pelos níveis de reatividade ao stress ou ansiedade. Contudo, esta
reatividade ao stress tende a diminuir ao longo do primeiro ano de vida, à
medida que a relação precoce entre cuidador e bebé se regula, sendo que depende
da contingência e sensibilidade das figuras parentais. Verificou-se correlação
entre a falta de sensibilidade do cuidador aos sinais do bebé e a continuidade
ou até mesmo um aumento dos níveis de cortisol ao longo da infância. Esta
situação pode prolongar-se para a fase adulta (e sucessivas gerações) através
da criação de padrões fixos de resposta ao stress que envolvem o funcionamento
restrito e rígido de neuro transmissores e de glucocorticoides.
Um clima emocional
precoce de stress, repleto de emoções negativas, leva o bebé a não conseguir
atingir um estado de equilíbrio homeostático (biológico e emocional), estando
permanentemente receoso por não encontrar, na relação, alguma significação que
permita acalmar este estado. A regulação hormonal do medo depende,
essencialmente, da capacidade que os pais (ou outras figuras centrais) têm para
estabelecer comunicações empáticas, de partilha de estados mentais e afetivos e,
assim, conterem a ansiedade do bebé.
As investigações
verificaram que este tipo de relação empática leva as crianças a desenvolverem
instrumentos de auto-regulação emocional, bem como, está associado a uma maior
capacidade de aprendizagem e concentração.
O bebé exige muito dos pais, da sua atenção, precisa de se
certificar que é amado e respeitado. Se assim for vai crescer com amor-próprio
e confiante das suas capacidades. Todos os comportamentos, ações, e atribuições
de carácter dos pais aos filhos vão ter consequências na construção de
identidade dos bebés e posteriormente no futuro adulto. O bebé vai querer
sempre se adequar às expectativas dos pais quer sejam positivas (conscientes)
quer sejam negativas (inconscientes).
Deste modo a melhor
forma de diminuir a doença mental é prevenir a sua incidência através de ações
de sensibilização e de informação correta sobre como promover um ambiente
relacional e afetivo positivo, para que as nossas crianças possam crescer em
paz e adquirir a aprendizagem da regulação da ansiedade. Afinal este é o melhor
presente que os pais podem dar aos seus filhos, a inteligência emocional que
promove a saúde mental e dá alento e entusiasmo pela vida.
Mafalda Leite Borges
Canto da Psicologia
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