Nos dias de hoje, são cada vez mais as
mulheres que decidem não ter filhos. Mas, se há um número que cresce e que se
acentua, parece haver, no sentido contrário, uma sociedade que continua a
exercer pressão sobre o assunto, como se tivesse ficado cristalizada no tempo.
Para muitos casais, o casamento acarreta,
desde logo, a inevitável pergunta: e filhos, para quando? Mas não é apenas
neste marco do ciclo vital que se materializa tal inquietação. Seja porque a
idade avança, seja porque se entende que se está numa relação longa e
estruturada, ou, ainda, por um conjunto de tantas outras razões em que se vai
suportando este mito, há sempre alguém que levanta o assunto, muitas vezes,
fazendo-o acompanhar de uma fantasia de que, para que não haja filhos, é porque
há algo de errado com o casal. Bem sabemos que, muitas vezes, este tipo de
pressão não é mais do que uma espécie de projeção no outro daquilo que é um
ideal de vida para o próprio, mas, ainda assim, não deixa de funcionar como um
fator de tensão para muitos casais na vivência da sua conjugalidade.
Se até aqui
o tema já nos parece de alguma complexidade, mais se adensa quando se trata de
um não redondo e assumido à maternidade. Aqui, o alvoroço parece instalar-se com
perguntas avulso de toda a ordem: sobre o que é que está mal no relacionamento
ou o que é que está mal com a mulher, sempre devidamente acompanhado pelo aviso
velado “olha que depois é tarde” ou a palmadinha nas costas “vais ver que
entretanto mudas de ideias”. Mas, será que muda? Ou, porque é que terá que
mudar?
É como se houvesse uma espécie de
condenação dirigida à mulher, assente no mito de que esta é a sua função – um
pouco como na parábola “crescei e multiplicai-vos” - e, portanto, não querendo
deliberadamente exercer esse papel, é como se ficasse qualquer coisa de fora,
por completar.
Naturalmente que as razões que levam à
decisão de querer ou não querer ser mãe serão muitas e, certamente, diferentes
de mulher para mulher. É inequívoco que a emancipação da mulher e os progressos
na saúde, nomeadamente com a massificação dos métodos contraceptivos,
proporcionaram à mulher um lugar de maior autonomia, podendo experienciar uma
relação mais livre com o seu corpo e com a sua sexualidade, bem como assumindo
um papel social muito diferente do que era vivido pelas suas mães e avós. Hoje, a mulher reivindica de forma mais
contundente lugares profissionais, que outrora eram destinado a homens. Esta
autonomia trouxe uma maior autenticidade na possibilidade de fazer escolhas e
opções que se repercutem, também, na questão da maternidade. Contudo, parece
ainda existir um preço a pagar quando a escolha foge aos parâmetros que se
consideram normais. A conjugação destas mudanças mostram que a maternidade pode
ser uma importante realização da mulher, mas não a única.
Embora este movimento de libertação do lugar da mulher seja
um facto consumado, sabemos que é encarado de formas muito distintas nas
diferentes camadas sociais e religiosas, encontrando algumas resistências pelo
caminho.
Nesse sentido, é tão legítima a decisão de não ser mãe, como é a de
ser. A mulher de hoje, pela facilidade no controlo da gravidez e por sustentar
outros ideais que não se esgotam na maternidade, pode tranquilamente optar por
não gerar um filho.
Dra. Joana Alves Ferreira
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