Na cultura
popular, diz-se com frequência que, para se ser feliz, há que encontrar a
metade da nossa laranja. Que cada panela tem a sua tampa. À primeira vista,
isto poderia significar que, a sós, somos “apenas” metade de algo. Será que
isto é mesmo assim, ou será um pouco mais complexo? De que material é feita
esta teia que nos enlaça?
Não é novidade alguma
que as relações perfeitas e livres de mácula não existem. Sejam elas breves ou duradouras,
quase todas as relações serão feitas de momentos de encontro, plenitude e prazer,
assim como de desentendimentos, desencontros, lágrimas e mágoa. Talvez as
pessoas possam ser adeptas de clubes rivais, ter amigos diferentes, interesses
sem qualquer semelhança, mas acreditamos que seria por ter o coração partido
que Rui Veloso cantava “não se ama alguém
que não ouve a mesma canção”. Porque não se há de amar quem é diferente de
nós? Estaremos destinados a ficar com alguém com quem simplesmente “encaixemos”?
Na realidade, podemos
olhar para uma relação como algo que tem mais a oferecer do que a completude.
Completar é colmatar uma falha, é encerrar em si mesmo, é não almejar a algo
mais, é ficar “só” satisfeito; não será por acaso que na depressão, por vezes,
se parece estar num estado constante de fome afetiva, que custa a satisfazer
porque, no fundo, é manifestação de uma carência que já vem de trás. Por outro
lado, o espaço de sonho e projeto, como tão bem o coloca Coimbra de Matos,
encontra-se na relação de complementaridade. Aqui sim, assiste-se ao
crescimento significativo e à expansão do amor, do conhecimento. O que haverá
para além de mim? Do que já sei, do que já tenho, do que já conheço? Quando
estão reunidas as condições necessárias para tal, este movimento de afastamento
do que é tido como certo e sabido não se torna assustador nem angustiante, mas
sim profundamente desejado e fascinante.
Este olhar
curioso e sedento pelo incógnito, que, paralelamente, nos torna disponíveis
para um outro-distinto com o qual explorar novos horizontes, só poderá
florescer de um amor-semente, tão antigo quanto a nossa própria existência. Plantado
num colo contentor e regado por um olhar potenciador de novos voos, este amor-semente
permite abraçar o novo, o diferente, o desafio, e com isso crescer e, mais
importante ainda, criar. A criação é sempre obra da relação, do encontro dos
afetos que permitem a multiplicação e a extensão dos fios que nos conectam uns
aos outros. Recuperando a questão inicial, esta teia que nos enlaça é então, só
e apenas, amor. Amor genuíno, que oferece em simultâneo raízes e asas, para que
saibamos o que temos mas, ainda assim, também arrisquemos olhar para lá dessas
certezas, e, com isso, sair enriquecidos.
Drª Carolina Franco
Que maravilha de texto. sua tecitura perpassa por todas as emoções humanas, uma poesia para a alma, corpo e espírito. Não vi nenhuma investida de psicologia reversa, mas sim uma psicologia que emana a verdade real em face ao indivíduo.
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