quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Homem o suficiente ou o medo de não o ser...




O Luís conta-me que não se sente muito atraído por homens com características mais femininas – e aqui ele refere-se à forma de vestir, maneirismos, preferências. Contudo, acrescenta, também não se sente atraído por homens “Bear” ou “Urso” os quais para ele estão associados a  uma masculinidade demasiado “gráfica” e que ambos pensamos, talvez sirva para mascarar qualquer aspecto ligado ao feminino que pudesse aparecer. O Luís concorda com esta ideia e acrescenta que é muito difícil para os homens com uma orientação homossexual – em específico – exporem aspectos que tradicionalmente possam estar mais associados à feminilidade como a vulnerabilidade, necessidade de protecção, alegria, sem o perigo de se tornarem demasiado femininos. Conta-me que com a população masculina de orientação heterossexual é diferente, dando-me o exemplo de um amigo em comum, heterossexual e dizendo: “ por exemplo, o Manuel, usa o que quer e nunca deixa de ser masculino. Se fosse eu, ia parecer uma bicha”.

Neste caso, o Luís refere-se sobretudo à forma de vestir do Manuel e à expressão da sua sensibilidade através dos gostos e opiniões que manifesta, no geral. De certa forma, o Manuel é mais capaz de se expor, do que o Luís. Contudo, o que o Luís não sabe é que o Manuel desabafou comigo sobre sentir tantas vezes ser difícil definir, enquanto homem, os limites entre o feminino e o masculino, sentindo muitas vezes não corresponder ao estereótipo do masculino. Foi o Manuel que me disse que o preconceito de não se ser homem o suficiente, põe em causa a masculinidade.

O resumo dos diálogos que tive com ambos os  amigos, em alturas separadas, pretende apenas funcionar como ponto de partida para a reflexão em torno de algumas questões ligadas à construção das masculinidades e do feminino que nelas se inscreve. Não se trata portanto, de material clínico, apesar de levantar questões comuns às de muitos jovens adultos que vou ouvindo, em contexto de gabinete.

Segundo Benjamin (1988), psicanalista americana, nas sociedades ocidentais, as imagens culturais subjacentes à masculinidade geralmente continuam a significar ser-se racional, protector, agressivo e dominador, enquanto as imagens subjacentes à feminilidade costumam significar ser-se emocional, receptiva, afectiva, cuidadora e submissa. Estas imagens parecem obedecer a uma ordem social ligada à força binária, assente numa reprodução da complementaridade de géneros masculino e feminino enquanto constructos distintos e opostos.

Penso na afirmação de Stoller (1985), psiquiatra americano,  The first order of business in being a man is don`t be a woman” e automaticamente também na angústia do Luís e do Manuel quando me falam da dificuldade em exporem aspectos que tradicionalmente possam estar mais ligados ao feminino sem o perigo de se tornarem mulheres.

Independentemente da orientação sexual, é relativamente comum para os meninos, rapazes, adultos serem chamados, com mais ou menos frequência, de “maricas”, “bicha”, “paneleiro”. Sob este ponto de vista, o feminino é encarado como um sintoma negativo (Corbett, 1996), contido em cada uma destas injúrias narcísicas.

Ducat (2004) cria o termo “femiphobia” para assinalar o repúdio do homem pelo seu self feminino. O preconceito interno e externo do masculino em relação ao feminino instala-se, comprometendo o saudável desenvolvimento do sujeito através de uma organização fálica defensiva, negando aspectos ligados à capacidade procreativa e possibilidades de afecto e criação de um homem (Fast, 1984).

Tal como Luís,  o Manuel afirma sentir-se ambivalente em relação à definição dos limites entre o feminino e o masculino. A dificuldade do Manuel poderá talvez ser validada por Corbett (2009) que afirma que todos os géneros têm falta de coerência e são atormentados pela ansiedade. Grayson Perry (2016), um artista plástico inglês, escreve, meio a brincar meio a sério,  que existe um Departamento da Masculinidade que se encarrega de enviar os seus funcionários na recolha de informações acerca do que é ser masculino numa variedade de fontes -  pais, professores, televisão, livros, filmes. Os funcionários instalam-se dentro da cabeça de cada homem e enviam instruções através de uma voz interna inconsciente que serve como intercomunicador. Estes funcionários têm como tarefa patrulhar os limites do género e assegurar que todos os membros da cultura masculina respeitam e agem em conformidade (Buchbinder, 2013).  Os que não o fazem podem sentir-se como o Manuel – a não corresponder ao estereótipo do masculino.

As questões ligadas à identidade de género e, neste caso mais concreto, à masculinidade, são transversais a todas as Pessoas, quer sejam homens, mulheres, transexuais, intersexuais, homossexuais, heterossexuais ou assexuais. Podem ser pensados e debatidos em muitos lugares,  mas com certeza de forma aprofundada durante um processo psicoterapêutico, se tal se justificar.






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