O Luís conta-me que não se sente muito atraído por homens
com características mais femininas – e aqui ele refere-se à forma de vestir,
maneirismos, preferências. Contudo, acrescenta, também não se sente atraído por
homens “Bear” ou “Urso” os quais para
ele estão associados a uma masculinidade
demasiado “gráfica” e que ambos pensamos, talvez sirva para mascarar qualquer
aspecto ligado ao feminino que pudesse aparecer. O Luís concorda com esta ideia
e acrescenta que é muito difícil para os homens com uma orientação homossexual –
em específico – exporem aspectos que tradicionalmente possam estar mais
associados à feminilidade como a vulnerabilidade, necessidade de protecção,
alegria, sem o perigo de se tornarem demasiado femininos. Conta-me que com a
população masculina de orientação heterossexual é diferente, dando-me o exemplo
de um amigo em comum, heterossexual e dizendo: “ por exemplo, o Manuel, usa o que quer e nunca deixa de ser masculino.
Se fosse eu, ia parecer uma bicha”.
Neste
caso, o Luís refere-se sobretudo à forma de vestir do Manuel e à expressão da
sua sensibilidade através dos gostos e opiniões que manifesta, no geral. De
certa forma, o Manuel é mais capaz de se expor, do que o Luís. Contudo, o que o
Luís não sabe é que o Manuel desabafou comigo sobre sentir tantas vezes ser
difícil definir, enquanto homem, os limites entre o feminino e o masculino,
sentindo muitas vezes não corresponder ao estereótipo do masculino. Foi o
Manuel que me disse que o preconceito de não se ser homem o suficiente, põe em
causa a masculinidade.
O
resumo dos diálogos que tive com ambos os amigos, em alturas separadas, pretende apenas
funcionar como ponto de partida para a reflexão em torno de algumas questões
ligadas à construção das masculinidades e do feminino que nelas se inscreve. Não
se trata portanto, de material clínico, apesar de levantar questões comuns às
de muitos jovens adultos que vou ouvindo, em contexto de gabinete.
Segundo
Benjamin (1988), psicanalista americana, nas sociedades ocidentais, as imagens
culturais subjacentes à masculinidade geralmente continuam a significar ser-se
racional, protector, agressivo e dominador, enquanto as imagens subjacentes à
feminilidade costumam significar ser-se emocional, receptiva, afectiva,
cuidadora e submissa. Estas imagens parecem obedecer a uma ordem social ligada
à força binária, assente numa reprodução da complementaridade de géneros masculino e feminino enquanto constructos distintos e opostos.
Penso
na afirmação de Stoller (1985), psiquiatra americano, “The
first order of business in being a man is don`t be a woman” e
automaticamente também na angústia do Luís e do Manuel quando me falam da
dificuldade em exporem aspectos que tradicionalmente possam estar mais ligados
ao feminino sem o perigo de se tornarem mulheres.
Independentemente
da orientação sexual, é relativamente comum para os meninos, rapazes, adultos
serem chamados, com mais ou menos frequência, de “maricas”, “bicha”,
“paneleiro”. Sob este ponto de vista, o feminino é encarado como um sintoma
negativo (Corbett, 1996), contido em cada uma destas injúrias narcísicas.
Ducat
(2004) cria o termo “femiphobia” para assinalar o repúdio do homem pelo seu self feminino. O preconceito interno e
externo do masculino em relação ao feminino instala-se, comprometendo o saudável desenvolvimento do sujeito através de uma organização fálica defensiva, negando
aspectos ligados à capacidade procreativa e possibilidades de afecto e criação
de um homem (Fast, 1984).
Tal
como Luís, o Manuel afirma sentir-se ambivalente em relação à definição dos limites entre o feminino e o masculino.
A dificuldade do Manuel poderá talvez ser validada por Corbett (2009) que
afirma que todos os géneros têm falta de coerência e são atormentados pela
ansiedade. Grayson Perry (2016), um artista plástico inglês, escreve, meio a
brincar meio a sério, que existe um
Departamento da Masculinidade que se encarrega de enviar os seus funcionários
na recolha de informações acerca do que é ser masculino numa variedade de fontes
- pais, professores, televisão, livros,
filmes. Os funcionários instalam-se dentro da cabeça de cada homem e enviam
instruções através de uma voz interna inconsciente que serve como
intercomunicador. Estes funcionários têm como tarefa patrulhar os limites do
género e assegurar que todos os membros da cultura masculina respeitam e agem
em conformidade (Buchbinder, 2013). Os
que não o fazem podem sentir-se como o Manuel – a não corresponder ao
estereótipo do masculino.
As
questões ligadas à identidade de género e, neste caso mais concreto, à
masculinidade, são transversais a todas as Pessoas, quer sejam homens,
mulheres, transexuais, intersexuais, homossexuais, heterossexuais ou assexuais.
Podem ser pensados e debatidos em muitos lugares, mas com certeza de forma aprofundada durante
um processo psicoterapêutico, se tal se justificar.
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