sábado, 13 de junho de 2015

E viveram felizes para sempre…


Era uma vez uma Eva!
Cresceu numa família com amor, vivendo a infância de uma forma tranquila e uma adolescência com a rebeldia expectável, tendo como exemplo diário e constante, uns pais que se respeitavam e que acima de tudo se amavam, que conseguiram passar, ao longo do tempo aos seus filhos, pequenos truques que o amor os ensinou a descobrir, mostrando-lhes assim a importância do afecto, segurança, confiança e sobretudo a certeza de que qualquer um deles era digno de ser amado! 
E isso, “ser digno de ser amado”, foi algo que Eva guardou dentro de si, cuidando e alimentando à medida que ia crescendo, no compasso de vida entre perdas e ganhos que a permitiram, com segurança, chegar à idade adulta!
Até que um dia conheceu um Adão!
Já tinha conhecido outros; uns amou, outros desamou mas, foi aprendendo nestes amores e desamores, o ritmo adequado na dança dos afectos e a batida certa no compasso das relações.
Mas este era, claramente, diferente! Não que ela precisasse de alguém que lhe mostrasse o quanto era especial nem de um olhar que refletisse a pessoa linda que ela era; vivendo sempre num registo de dentro para fora e nunca de fora para dentro, a descoberta de si própria ao longo do seu crescer, permitiu-lhe sempre nunca necessitar do outro para se preencher ou, ocupar um vazio, um vazio daqueles que muitas vezes destrói e corrói a alma de quem o sente e não permite, a quem o vive, amar-se em pleno.
Este Adão, encantava-a! Perdida nos seus pensamentos, divagando com o coração, ela olhava para ele e sentia-o seu! Não o via como o Príncipe que todas as mulheres sonham, tal conto infantil, via-o, como reza a Bíblia, como alguém de onde poderia ter sido retirada enquanto metade da sua costela!
E amou-o. Muito!
Quando lhe trazia flores; quando lhe cantava ao ouvido (era assim que ela ouvia) palavras comuns mas que soavam a especiais; quando conversavam os dois sobre tudo e sobre nada; quando se olhavam de manhã ao acordar; quando discutiam sobre coisas sérias e banais; quando se calavam e preenchiam os silêncios só com o olhar; quando se ralhavam e amavam com a intensidade permitida e sentida por ambos; quando se complementavam nas decisões que tinham que tomar ao longo do tempo que durou a relação; quando se perdoavam por momentos difíceis de suportar e quando se perdoavam, mais uma vez, pelo afastamento sentido e calado por ambos.
E mesmo quando se reencontraram na relação após anos de dispersão, de sentires e afazeres supostos a quem tem filhos e os ajuda a crescer, quando se olharam e comentaram um com o outro o quanto estavam ambos tão parecidos com os pais e quando deram as mãos enrugadas e perceberam que o percurso agora, era mesmo só a dois, amou-o ainda mais!
Até que um dia, o Adão saiu da sua vida e não voltou mais!
Eva, como sempre acontecera nesta relação tão sua e dele, sabia exatamente o que tinha acontecido! Porque o par que compunham na dança da vida, entrava sempre no ritmo e compasso certo mesmo que tropeçassem, não precisava de muitas explicações para entender o que sucedera.
Agora, neste percurso solitário perfeitamente justificável, com menos uma costela suportada por um corpo frágil, na insuportabilidade suposta, pela ausência, Eva, vivia uma saudade saudável, nas memórias construídas a dois e agora pensadas só por um, nas palavras ditas e nas que ficaram por dizer, nos relatos enfatizados pelo seu próprio reviver sem necessidade de público mas que passavam sobretudo pelo seu relembrar; Eva, vivendo de dentro para fora, nunca precisou do seu Adão para se sentir viva! Eva, viveu o seu Adão enquanto a metade que a complementava e não a que a completava; perante a sua ausência, ela não se sentia incompleta, nem só! Sentia-se viva pelo legado que ele lhe deixara, triste pela sua partida mas nunca, isso nunca, com a sensação de ter sido mal amada! E isso ,era o suficiente para a manter viva! Até um dia…
Afinal, até há finais felizes!
O Canto da Psicologia 
Ana de Ornelas

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