quinta-feira, 4 de março de 2021

Confi(n)ar o sentir...

 



Volvidos 12 meses após o primeiro caso confirmado de COVID-19 em Portugal, muito se tem falado do vírus e do seu impacto a vários níveis. As palavras pandemia, confinamento, desconfinamento, máscara, parecem terem entrado na vida singular e coletiva sem pedir permissão, ao ponto de nos dar a sensação de invasão interna, qual fantasma tornado realidade. Simultaneamente, as questões ligadas à saúde mental parecem começar a ganhar uma visibilidade, atrevo-me a dizer, “nunca antes vista”. Por diversos motivos (defesas do ego, dificuldades financeiras…) faz-se jus ao provérbio, “ninguém vê a tranca no seu olho, mas é fácil ver o argueiro no olho do vizinho”, ficando os sentimentos e emoções demasiado tempo confinados. Este confinamento do sentir pode dar origem a um mal-estar em tudo semelhante ao mal-estar pandémico. Não deixa de ser curiosa a ligação que aqui podemos fazer entre a problemática da doença mental e um vírus que surge sem causa aparente. O desconhecido vírus, como a distância (e por vezes frieza?) com que se olha a doença mental instala em todos nós a sensação de estranheza, desconforto e medo (face a todas as incertezas).

Levanta-se assim a questão: Ficámos todos de repente um pouco mais sensíveis a esta problemática? Talvez. E aqui podemos entrar na temática deste texto – Confiar o sentir – ou melhor dizendo, (não) confi(n)e os seus sentimentos.

 

A confiança – sentimento de segurança relativamente a si próprio; convicção de valor próprio – é um sentimento que se vai constituindo ao longo da vida, com o auxílio das figuras parentais e outras de referência, bem como da meio social envolvente. O jogo interativo e também simbólico que se desenvolve precocemente, como por exemplo, atirar o bebé ao ar e de seguida acolhê-lo nos braços; brincar ao esconde-esconde; permite desenvolver uma série de competências emocionais, que entre muitas outras coisas possibilita criar um espaço interno seguro e confiável, preenchido de boas relações de objeto. A palavra assume aqui uma grande dimensão, do “dar nome” e significado ao que sente. Desta forma compreende-se também o papel fundamental da linguagem emocional, como o manhês (diálogo entre a mãe/figura materna e o bebé, onde se utiliza um “idioma” especial – prolongamento das vogais, que as torna mais lentas e sonoras, aumento da frequência, que as faz mais agudas, e uma certa musicalidade). Todos temos muito presente a extrema importância que teve (e tem) o confinamento para que a tão conhecida curva epidémica começasse a baixar. Este cenário pandémico, digno de um filme, traz à superfície a importância da palavra, como veículo mental e de simbolização.

 

A palavra é o veículo mental, ligante por excelência; ligante porque liga o dentro de mim com o fora de mim (liga-me ao outro: é a dimensão intersubjetiva); mas também porque liga o “dentro” com o fora” dentro de mim próprio (liga-me comigo mesmo; é a dimensão intrapsíquica)

Esta última ligação é intrapsíquica porque liga “aquilo que está dentro”: o que está mais dentro do dentro (sistema inconsciente) com o que está mais fora do dentro (sistema consciente/pré-consciente)”.

João Pedro Dias, Revista Portuguesa de Psicanálise, 30 (2)

 

Tudo isto ganha hoje ainda maior importância quando somos diariamente confrontados com a necessidade de lidar com diversos sentimentos, que muitas vezes, na correria dos nossos dias, se vão escapando pelos pingos da chuva. Claro está que não desaparecem. A fadiga pandémica é disso reveladora. Contudo, e utilizando a metáfora inicial entre um vírus e a doença mental, importa referir que os sistemas imunitários são idiossincráticos, assim como a forma de ligar com a realidade (interna e externa). Dar nome aos sentimentos e confiar o sentir (partilhando o que se sente) é fundamental para que esta experiência que é em tudo coletiva, seja também percecionada como individual, e como tal não se desvalorizar as vivências individuais na forma como tudo isto pode ou não ter impacto na realidade pessoal.

Nós a equipa d´O “Canto da Psicologia”, continuamos por aqui, para o ajudar a pensar e sempre disponíveis para o ajudar a desconfinar as suas emoções, num espaço seguro e contentor.  

 

Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia



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