Durante dias e
noites no quarto ao lado havia um relógio de cabeceira que contava o tempo para
trás, havia noites que eram dias e dias que eram noites. Não eram tempos
trocados, eram simplesmente os tempos que tinham de ser, que podiam ser…em que
podíamos fazer o que conseguíamos. O quarto ao lado tinha um Adeus
escrito a dedo sobre o pó mas um Olá, Bom dia e como te sentes?
arrastados, no cansaço e desgaste de lutadores sem armas que não se rendem.
Lutadores cristalizados num duplo “holding” até que alguém enuncie o aviso na
porta e ecoe no silencio lancinante o último tic-tac.
No quarto ao lado a
espera deu lugar ao desespero, o “holding” rendeu-se ao abandono e à
desvitalização e o tic-tac abriu espaço ao eco do vazio. Entre quatro paredes,
outrora azuis celeste, murmurava a dor,
gritava a revolta e infectava a ferida da impotência e da mais dilacerante das
culpas. Do quarto ao lado via-se a grande árvore do quintal, onde eram as
folhas velhas e secas que caiam pelo outono e não as mais jovens, verdes e
viçosas. E nada nos poderia preparar e comprovar o contrário. Mas…
O quarto ao lado,
bem no meio da casa, fica agora cada vez mais ao fundo do corredor. Tudo no seu
devido lugar para que saudade se vá acomodando, como hospede
indesejada, e reforce o cheiro da almofada, toque numa das cordas do violino,
amarrote a tshirt no chão e faça deslizar o skate até à porta. No quarto ao
lado o verde alface está desbotado pelo choro surdo de todas as noites, naquela
cadeira de baloiço onde já não se cantam canções de embalar, mas na qual se
anestesia a dor de uma mãe que jamais se ouvirá chamar.
A perda de um filho
não se explica…porque os filhos são como as folhas verdes de uma árvore como as
que ainda se vêm do quarto ao lado
A perda de um filho não
se explica! Por muitas teorias, estudos, explanações…a perda de um filho não se
poderá explicar!
Vive-se e
experiência-se na dor profunda da ausência, do
peso das memórias e dos picos agudos e crus da culpa. Os filhos são as
extensões de cada progenitor, são o testemunho do seu passado, a prova da sua
presença e a garantia do seu futuro. Mais do que fragmentado um pai que perde
um filho fica desmembrado nas suas extensões internas, desvitalizado das suas
funções e destituído do seu titulo mais legítimo.
Cada adeus compõe-se
para além das cinco letras que compõem também a palavra perda. No mesmo sentido
cada momento, cada fase de luto estará para além do que pode ser encontrado num
livro e descrito pela experiência de outros. O luto é um processo único e individual,
que ecoará e moldará à estrutura interna de cada um. A perda de um filho é
considerada uma das experiências mais devastadoras e brutais da vida do ser
humano, e o seu impacto prolonga-se por toda a vida do mesmo.
A perda de um filho não
se explica, porém o processo de luto que decorre da mesma não deve ser vivido
sozinho, para dentro e de forma isolada.
A perda de um filho não
se explica…vive-se e acompanha-se. É sempre possível percorrer acompanhado todo o corredor
até ao
quarto ao lado e ver da sua janela a enorme árvore do quintal.
Drª Joana Cloetens
O Canto da Psicologia
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