Quando
um bebé nasce, transporta desde logo um legado, que lhe foi transmitido antes
da sua concepção. O bebé sonhado pelos pais é um produto das histórias de cada
uma destas personagens, para a qual converge a matriz familiar de ambos. A
transmissão psíquica adensa-se na comunicação intrauterina, sendo este bebéherdeiro do lugar a que pertence, mesmo antes de nascer.
Quando procuramos atribuir
parecenças a um bebé, quando lhe damos o nome de um familiar, quando associamos
um determinado comportamento a um membro específico da família, falamos
precisamente de um legado que é herdado, o qual não é apenas fundamental no
processo de construção da identidade, como, simultaneamente, no lugar que
aquele bebé irá desempenhar na família.
A transgeracionalidade pode ser
representada, assim, como um conjunto de “vozes familiares” que estão gravadas
internamente, sendo que o que diferenciaria uma pessoa de outra será a
intensidade dessas vozes e a influência que exercem em cada sujeito. Isto
significa que o que é dito nas famílias ou o que é silenciado, os mitos, os
segredos, os pactos, são palco dessa transmissão psíquica, a qual pode ser
consciente ou inconsciente. Neste sentido, muitos acontecimentos de uma geração
podem ser o reflexo de acontecimentos que sucederam em gerações anteriores.
Há,
portanto, uma espécie de “idioma” em cada família, a partir do qual se
estabelece a comunicação entre os seus membros, podendo ser o palco para que
ocorram padrões, repetições, os quais vão sucedendo de geração em geração. A
clínica mostra-nos exemplos riquíssimos deste fenómeno – quando, na
maternidade/paternidade se repetem padrões na forma como a pessoa foi filha(o);
quando num casamento se repete um modelo de relação semelhante ao dos pais,
avós, etc.; quando, numa família, há um quadro de alcoolismo que foi marcando a
histórias de vários membros.
O legado familiar faz parte da história de qualquer sujeito e, portanto, é inevitável. Contudo, esse legado
não tem que ser vivido necessariamente como algo rígido e imutável para os
descendentes de uma família: pelo contrário, pode (e deve) ser elaborado
internamente, comunicado e, algumas vezes, reformulado, para que a família se
desembarace desta espécie de “força invisível”, que, muitas vezes, empurra os
seus elementos para a compulsão à repetição.
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