Falámos a semana
passada sobre o desenvolvimento da vinculação e a importância da mesma, e esta semana trazemos o desenvolvimento de um
outro tipo de relação de vinculação.
Cada vez mais, há
uma grande parte da nossa sociedade sensibilizada e focada na valorização dos
animais. Ao longo dos tempos, têm existido diversos movimentos no sentido de
aumentar a adoção de animais, a diminuição do seu abandono, a não recusa dos
animais de estimação em contexto de aluguer de habitações, a rejeição das
touradas como entretenimento, entre outras. Encontramos este movimento desde
partidos políticos a associações, passando por leis, campanhas de
sensibilização, entre outras. Para muitos de nós, adultos, isto acaba por ser
algo relacionado com o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais
conscienciosa, apesar de ser um movimento recente. O grau de afetividade entre
humanos e animais tem vindo a aumentar e cada vez mais eles são vistos como
companheiros para a vida e menos como instrumentos: Portugal, país com tradição
agrícola, poucos cavalos usa agora para arar! Portanto, se para os adultos de
hoje em dia este movimento pode ser algo de novo, para as crianças estes
movimentos acabam por ser quase inatos, na medida em que, se pensarmos bem, os
animais estão sempre presentes nas suas vidas de forma algo diferente da dos
seus pais ou avós: em vez de os terem como alimentação ou instrumentos
agrícolas, a maioria das crianças de hoje em dia vêm desenhos animados que têm
muitas vezes personagens animais, os brinquedos também serão um ursinho ou um
cãozinho, as histórias lidas têm muitas vezes animais como protagonistas, com
grande probabilidade terão um cão ou gato em casa… Existe, de facto, uma
vivência diferente entre o homem e o animal que havia há 50 anos atrás.
Pensando a partir da nossa perspetiva,
é certo que existem bastantes fatores na relação estabelecida entre a criança eo animal que muitas vezes nos passam despercebidos e que na correria da rotina
acabamos por “desvalorizar”. Contudo, cada vez mais têm vindo a ser
desenvolvidos estudos que nos mostram o potencial que esta relação pode ter no
próprio desenvolvimento infantil, desde o desenvolvimento da linguagem (a
emissão de ruídos), desenvolvimento da coordenação motora (segurar, tocar,
fazer festas) e desenvolvimento psicológico e emocional (reciprocidade,
respeito, confiança). Até do ponto de vista imunológico e alergológico, está
mais que estudada a maior resistência de crianças que convivem com animais
desde pequenas.
Através do desenvolvimento de uma
relação próxima com um animal de estimação, as crianças desenvolvem umsentimento de segurança, confiança e coerência. Considerando que na base de
qualquer relação o que encontramos é o afeto, isto fica ainda mais visível e
claro nas relações entre os animais e as crianças, visto que estes não
desenvolvem qualquer outro tipo de comunicação connosco. Esta relação poderá
também demonstrar a capacidade da criança para estabelecer laços com outros quenão a mãe, o pai, os avós, os tios… estabelecendo então uma relação afetiva com
um outro que não poderá ser recíproco na mesma moeda, mas que, não obstante,
consegue transmitir afeto de maneira genuína. Há que lembrar que, em momentos
de tensão ou de conflitos, que inevitavelmente acabam por existir em qualquer
família, é absolutamente comum e natural que a criança recorra ao seu animal de
estimação à procura de tranquilidade e de companheirismo. Aliás, este apoio é
tão vasto e benéfico que existem muitos animais utilizados como auxiliares para
terapias, como é o caso dos cães e dos cavalos, inclusivamente para crianças
com patologias mais graves, como perturbações do espetro do autismo e paralisia
cerebral.
Inerentemente, temos também o
desenvolvimento de competências como a responsabilidade por um outro ser, visto
que o animal de estimação precisa de ser alimentado, precisa de ir à rua (no
caso do cão) ou de ver a sua caixa limpa (no caso do gato), e precisa de
brincar e gastar energias. Estas experiências intrínsecas à existência de um
animal de estimação em casa poderão conduzir, na criança, ao desenvolvimento da
capacidade de não só perceber o que são as nossas necessidades individuais,
como também a capacidade de perceber e identificar a existência de necessidades
no outro, permitindo assim o desenvolvimento de competências do foro social:
respeitar o espaço do nosso animal é respeitar os seus limites e, na realidade,
garantirmos simultaneamente o seu bem-estar e o nosso, dado que ele, ao não
saber falar, nos poderá demonstrar o seu desagrado de forma algo desconfortável
– diga-se, através de uma dentadinha ou arranhadela!
Por fim, podemos pensar na parte menos
agradável ou “bonita”, na medida em que os animais não vivem para sempre. No
entanto, como ninguém vive para sempre, também daqui poderemos retirar uma
aprendizagem mais transversal sobre a vida, o nascimento e a morte, o
sofrimento, o cuidado… O que é certo é que, de uma forma geral, a vida é mais
feliz com um animal de estimação. Estes tornam-se parte da nossa família e enriquecem-na
todos os dias.
O Canto da Psicologia
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