quinta-feira, 1 de agosto de 2019

(IN)fidelidades Conjugais...





Quando quem trai quer fazer psicoterapia!
“Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia no meu amor”
A plasticidade de funcionar do ser humano é uma das características que este tem para, no decorrer da vida, moldar-se às várias realidades, externas mas também internas, pelas quais vai vivendo. Muitas destas realidades podem contrastar, não poucas vezes, com padrões educacionais, culturais, sociais e morais interiorizados. Padrões relacionais patogénicos interiorizados são também realidades vividas que podem contrastar com a harmonia desejada de uma relação amorosa. Frequentemente, este contraste, conduz a desastres relacionais de elevada magnitude que originam, naturalmente, vivências de enorme conflituosidade e sofrimento.
Segundo o inquérito Saúde e Sexualidade, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, divulgado em 2008, cerca de 12,5% dos portugueses inquiridos assumem já terem traído os seus parceiros. Os que não couberam neste inquérito elevarão certamente a estatística da traição.
De facto, muito se fala sobre infidelidade sendo por isso importante a realização de um debruçar compreensivo-fenomenológico acerca daquilo que engloba este tipo de comportamento, e onde intervêm variáveis várias como variáveis de índole emocional, de personalidade, entre outras.
Pretendendo refletir um pouco sobre a perspetiva psicológica deste agir, que pode ser pontual ou frequente, pode dizer-se, que existem três tipos de infidelidades nas relações amorosas: a infidelidade emocional  (quando o parceiro despende recursos emocionais como tempo, amor e atenção a outro indivíduo), a infidelidade física (resultado de atividade sexual com outro indivíduo que não o parceiro principal) e infidelidade combinada, que incorpora as duas anteriores e que tem sido demonstrado que tem maior ameaça à união do casal do que qualquer envolvimento emocional ou sexual isolado.
Em termos clínicos, e quando este é um tema central num processo psicoterapêutico, subjacente a um quadro de sofrimento interno, uma das avaliações fundamentais do psicólogo é avaliar os fatores que contribuíram para a ocorrência da infidelidade, contextualizado no questionar se a relação conjugal é ou não satisfatória para o próprio.
Mas vai-se naturalmente e obrigatoriamente mais longe: que condicionantes narcísicas, de auto-estima, estão em jogo? Como e quem é o/a companheiro/a? Como e quem é o/a amante? Que lugar o próprio (não) tem na relação traída? Ou em que lugar não se faz caber dentro de si mesmo? Estará também a trair-se a si? Que quer o sujeito comunicar e não consegue? Que narrativa existe associada ao trair? Será uma narrativa de socorro e de impotência mas desejo de resgatar a relação ou será uma narrativa de desejo de fuga não admitida internamente? É que às vezes também se trai porque não se conseguir receber amor. Trai-se algumas vezes porque já se foi traído precocemente por quem não é natural ser traído (por um pai ou por uma mãe). Onde falhou esse nutrir no passado? O que se procura compensar? A capacidade de simbolizar a falta agida através da traição encerra muitas vezes a resposta.
Num plano sintomático de uma relação não saudável, não satisfatória, existem algumas vezes situações de falta de nutrição emocional do outro, o outro que não satisfaz, o outro que não ouve, que não valoriza e não ama lá muito bem ou de todo. Muitas vezes, como forma de defesa perante a dura realidade de uma relação infeliz, surge a traição, a infidelidade como formas de agressividade, e zanga com e para o outro e que não é expressa. Age-se o que não se consegue transformar e outras vezes trai-se porque realmente precisa-se de melhor! Atabalhoadamente ou não o sujeito tenta fazer-se melhor à vida!
De forma genérica, convém contudo salientar que as motivações subjacentes à infidelidade conjugal são inúmeras e com variados contornos. Convém primeiramente desmistificar a crença de que a infidelidade é sempre um indicador de que a relação conjugal primordial é de qualidade negativa.
De facto, quem ama o outro pode trai-lo, mesmo existindo um relacionamento satisfatório e onde existe reciprocidade e intensidade emocional. Algumas pessoas dão por si numa situação de infidelidade por ocorrência de situações que comportam grande stress, como o facto de ser-se pai ou ser-se mãe pela primeira vez, ou quando os filhos saem de casa, instabilidade profissional, familiar, processo de doença, etc. Constata-se uma narrativa de desgaste e incapacidade ou dificuldade em comunicar essa dor mas, sobretudo, transformar e integrar a mudança dentro de si. É quem diz “Eu amo mas traí… e agora?” que possui maiores níveis de culpabilidade e que mais facilmente socorre-se de ajuda psicológica. Mas também às vezes não mais se ama.
Numa dimensão psicobiológica, pode dizer-se que a atração não raras vezes se sobrepõe à esfera do envolvimento emocional, sobretudo quando a denominada fase de paixão do casal já teve lugar. Numa relação saudável, ambos os elementos da relação terão que conviver com estes aspetos e riscos associados. Amar comporta também riscos. Mas afinal de contas amar é para os corajosos, os que têm coragem de se reassumir e reerguer perante um sismo estrondoso que é uma traição. Procuram ajuda. E fazem-nos porque estão dispostos a melhor amarem(-se) ou a aprenderem  a amar(-se). Outras vezes é impossível. Não se ama o outro porque não se consegue amar a si próprio. O amor é um corpo estranho para muitos. Boicotá-lo e detoná-lo pode ser uma resposta automática para alguns…mesmo quando é somente aquilo quer mais se precisa. Lógicas desarmónicas e desarmonizantes que precisam de serem tornadas conscientes para se poderem transformar.
A traição é mesmo um lugar vasto. Encontre uma forma de elaborá-la. Estamos aqui.





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