A adoção é um processo que abarca
diversos processos psíquicos, tanto para a criança adotada como para a família
que adota, é uma nova família e é um novo membro na família. É um processo que
envolve adaptação de ambas as partes, na verdade tal como envolve o nascimento
de um bebé, é momento de reorganizações das representações para o acolhimento
de um novo membro com condições psicoafetivas satisfatórias. Este acolhimento
envolve uma preparação, tal como envolve a gravidez, uma preparação do novo que
está a chegar, onde também é necessário passar pelo processo de transformação
da criança imaginária (idealizada) na criança real. Esta transformação é
crucial para a construção futura da relação de filiação.
Apesar de podermos comparar
diversos momentos com o nascimento de um bebé, a adoção pode trazer outro tipo
de angústias e medos, medo do desconhecido, medo de um passado desconhecido e
de possíveis reações e decisões futuras. À partida existe logo o primeiro
impacto que poderá ser confuso, angustiante, quando falamos de uma adoção que
envolve uma criança institucionalizada, onde os pais se confrontam com uma
realidade que muitas vezes não é a sua realidade e que pode levar a sentimentos
distintos. Depois deste primeiro impacto inicia-se todo o processo que envolve
as questões legais que “ocupam” muito do tempo à construção da relação filiação,
podendo fragiliza-la. Por um lado emerge a vontade de criar uma relação com a
criança, por outro lado existe sempre a dúvida (inevitável): irá ela de facto
fazer parte da nossa família? Estamos a falar de anos com estas incertezas, com
estas angústias, até chegar o momento em que (nos casos bem sucedidos) chega a
notícia de que é oficial, de que é real, a criança “já é deles”.
Passada esta fase vem a
realidade, a realidade de uma nova família, uma família que tem mais um e que
implica automaticamente reorganização, tanto para os pais (e irmãos) como para
a criança. Na criança, a adaptação a uma nova vida, a reorganização das ligações
e das relações, sendo o papel dos pais crucial no seu comportamento,
reconstruindo um continente psíquico que permita que esta fase seja contentora
e segura. Nos pais, igualmente a adaptação, mas também as incertezas, agora
outro tipo de incertezas, mas ainda assim incertezas. Incertezas sobre o
passado da criança, sobre as consequências que esse poderá ter no seu
comportamento futuro, incompreensão de comportamentos que já vêm
pré-adquiridos, dúvidas de qual a melhor forma de os ajustar e adaptar. E ainda
dúvidas sobre se esse comportamento está realmente associado ao passado ou se
poderão eles, pais, ter falhado em algum momento…
E se quiser procurar a família
quando for maior de idade? E se quiser saber qual é o seu passado? E se começar
a fazer perguntas? Estas são questões que surgem (ou poderão surgir) e que levam
a um enorme conflito interno nos pais, ao longo do crescimento da criança.
Questões estas que trazem atrás muitas outras que não estão relacionadas apenas
com a adoção em si, mas também com o funcionamento psíquico, as vivências, os
fantasmas e os medos dos pais, enquanto seres individuais e enquanto casal.
Contamos ou não? Quando é que
contamos? Como é que contamos? Será que existe uma maneira certa de o fazer? Será
que já sabe? Vai compreender? Estas são outras questões que poderão
eventualmente surgir, o momento de explicar que a criança é adotada…
Nestes casos, em que estas
questões se tornam “demasiado” angustiantes e difíceis de ultrapassar, os pais precisam
de suporte, evitando que os conflitos internos que surgem se transformem num
sofrimento e desorganização psíquica no futuro, tanto para a criança como para
os pais. É neste sentido que o apoio psicoterapêutico poderá entrar também na
adoção, sendo utilizado como um espaço securizador e contentor de todas essas
angústias.
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