“Se calhar há
coisas que passam um bocadinho dos meus limites”
M,16a
Numa oscilação entre o adulto que está por existir e a
criança que já não existe, o retrato do adolescente parece poder recair no vazio. No caminho das transformações, a falta da paixão e ingenuidade da
infância, abre espaço para o espelhar das inseguranças do que é ser-se adulto.
Numa sociedade global e contemporânea em que cada vez mais se instalam momentos
de fragilidade, em que vivemos da cultura do imediato, da chupeta da televisão,
da cada vez maior inexistência de ideais partilhados, onde os gostos e opiniões
passam a ser momentâneos, descartáveis e provisórios – como as stories
do instagram-, onde se venera e gratifica o individualismo, em que se atenuam
as imagens estruturais do trabalho, da família e dos laços humanos, não terá
também mudado o sofrimento psicológico?
Na procura de algo que satisfaça no imediato, na fuga
constante ao aborrecimento e ao tédio, na procura do outro para iludir os
sentimentos depressivos e o verdadeiro contacto com o próprio, como se
desenvolve a capacidade de estar só e com o outro? Onde fica o terreno para
construir o processo identitário individual e relacional?
Na inerente transformação da entrada para a adolescência em que impera o desafio da identidade, em que é preciso sentir-se em casa
dentro do próprio corpo, ter uma bússola orientadora do caminho que se vai
seguir (ou que pelo menos permita que se possa ir descobrindo) e em que é
imperial reconhecer-se (o próprio) e ser
reconhecido/visto (pelo outro), quais são os modelos que estamos a construir?
Desvalorizamos, inconscientemente, o adolescente, porque não é adulto, responsabilizamo-lo, porque não é criança, queremos que cresça e
que faça, que seja e que planeie, que suporte e dirija, mas não validamos
quando sente, quando pensa, quando quer, quando projecta (porque é criança e
não adulto)… não abrimos assim espaço para a psicopatologia? Será o sofrimento
calado, bebido, consumido, cortado, apenas uma fase? Ou será um grito do desespero, do desamparo, da insegurança?
Cada vez
mais predominam, nesta fase de desenvolvimento, as chamadas “patologias do
agir” – toxicomanias, alcoolismo, perturbações/distúrbios alimentares,
comportamentos autodestrutivos (que podem potenciar o suicídio) e híper sexualizados,
depressões entre outras. Entre o desejo de experimentar e descobrir, na
fantasia idealizada da ausência de limites, não serão estes quadros uma
tentativa de limitar a experiência?
Estaremos
a estruturar futuros adultos com recursos psíquicos frágeis?
Sendo
esta uma fase de tantas transformações aliada a todas as mudanças sociais e
culturais envolventes da época que vivemos, onde fica o espaço para a
estruturação do psiquismo?
Servirá,
assim, o contexto psicoterapêutico para ajudar a ouvir aquilo que está
escondido pelo agido.
Sem comentários:
Enviar um comentário