Habituámo-nos a viver em
contra-relógio como se a vida fosse uma autêntica gincana que nos coloca em
prova todos os dias. Na contemporaneidade que nos caracteriza somos guiados por
uma bússola que nos impele a correr de manhã à noite.
O contra-relógio começa cedo pela manhã, e os desafios são muitos, mesmo antes
de nos encontrarmos no local de trabalho, seja pelo trânsito que nos acompanha
desde a porta de casa à folia de deixar os miúdos na escola.
Quando finalmente chegamos ao local de trabalho, a luta contra o tempo é maior
ainda e a competição direccionada aos outros ou a nós próprios, não nos deixa
esquecer que a corrida continua. Aqui,
os desafios são outros, são mais complexos, mais conflituosos, mais exigentes e
também mais impossíveis!
Os psicoterapeutas, recebem em consulta e cada vez em maior número, vários
casos de ansiedade, depressão e exaustão mental relacionados com a actividade
profissional, por excesso de trabalho ou por conflitos interpessoais. São
vários os quadros psicológicos e físicos que têm proveniência no desgaste emocional e no desequilíbrio provocado pela vida profissional.
Com especial atenção a este fenómeno, a OMS incluiu, este ano, o ´Burnout´na
nova classificação internacional de doenças. Esta síndrome apresenta uma vasta
sintomatologia que se estende por um longo período de tempo. Sensação de
cansaço permanente, baixa produtividade, apatia e isolamento social, alteração
do sono e alimentação, dores de cabeça ou musculares, sentimentos de
inutilidade e fracasso, sentimento de realização profissional muito baixo,
tristeza e irritabilidade, são alguns sinais que podem indicar a presença de um
stress excessivo e patológico.
Como pode a vida profissional ter um impacto tão nocivo e condicionar o
funcionamento psicológico?
O ser humano necessita, à partida, de condições básicas emocionais para conservar
a integridade e equilíbrio psíquico - sentir um bem estar interno individual
onde o desejo, a ambição, o sonho e a esperança assumem o papel de
protagonistas é uma dessas condições. Sentir-se ligado afectivamente aos outros
e criar vínculos que se expressam em relacionamentos mais ou menos íntimos é
essencial e ajuda a manter as estruturas psíquicas saudáveis.
Por outro lado e, também com vista à manutenção do equilíbrio interno,
utilizamos um conjunto de mecanismos psicológicos que nos protegem de possíveis
situações desestruturantes provenientes de diversos eventos da vida.
No Burnout percebemos que estes elementos estão completamente desajustados, seja
por défice ou por excesso.
As actividades laborais caraterizam-se atualmente por elevada contenção e
inibição, escassez de criatividade e falta de interações interpessoais sadias,
onde a competição toma o lugar da cooperação, a ausência de investimento cria
apatia e a esperança é suprimida. Este contexto promove a presença de
movimentos defensivos de forma exagerada e desencadeia o aumento do sofrimento,criando uma vida psíquica vazia e desprovida de sentido. Psicologicamente, a
pessoa deixa de desejar, investir e arriscar, muitas vezes anulando do seu
dia-a-dia as actividades que mais prazer lhe trazem.
É irónico que o lugar e o tempo dos afectos se torne cada vez mais raro quando
a Era da tecnologia nos trouxe mais conforto, mais proximidade e autonomia. Era
de esperar que o mundo digital promovesse e facilitasse o contacto com os
afectos. Mas não! Os afectos são substituídos por vínculos frágeis,
robotizados, empobrecidos e pouco criativos. Os relacionamentos e os
investimentos individuais são mascarados e virtuais no estar e no sentir.
Contrariamente ao que viver em contra-relógio favorece, são os afectos
autênticos e ricos – composto emocional primordial, aqueles que sustentam o
equilíbrio, a lucidez e a saúde mental.
Sem comentários:
Enviar um comentário