quinta-feira, 25 de julho de 2013




Nos Preâmbulos da Depressão (Texto I)

“Solidão, não te mereço,
pois que te consumo em vão.
Sabendo-te embora o preço,
calco teu ouro no chão.”

Carlos Drummond de Andrade

A depressão será, provavelmente, um dos conceitos psicológicos mais abordados. No próprio senso comum, é frequente ouvirmos este cunho aplicado às mais distintas condições. É a depressão do vizinho, é a depressão do País. É a depressão daquele que sofre um desgosto de amor, é a depressão do miúdo que quer estar sozinho a ouvir música de subir o volume. É a depressão do colega de trabalho que não se sente reconhecido pelo que faz, é a depressão da amiga que está a viver um processo de luto.

A depressão está, pois, “nas bocas do mundo”, aparecendo enquanto rótulo quase em simultâneo com os sintomas que os outros (ou o próprio) identificam sobre si, quando há uma mudança percebida de comportamento. É a tristeza, é o choro, é o isolamento, é a vontade de estar só, é o desinvestimento. São ainda as insónias, a perda de apetite ou de energia, a indisponibilidade para os outros. Mas se tudo isto poderá caber na compreensão do que é, afinal, a depressão, será que sempre que tais sintomas emergem estamos, efectivamente, a falar de tal diagnóstico ou poderá ser uma outra realidade, à espera ansiosamente de um outro tipo de entendimento? Por outras palavras, será que estar com uma depressão é necessariamente o mesmo que estar deprimido ou estar a vivenciar um momento de maior depressividade? Será que os referidos sintomas não poderão ser a expressão de um outro quadro? ...

Na verdade, se nos parece importante que as pessoas estejam familiarizadas com a terminologia que permite compreender o sentir individual, é também basilar que com esse conhecimento não caiamos num registo lato de classificação, onde tudo um pouco é passível de ser enquadrado no que entendemos por depressão. Paradigmático disso mesmo foi o impacto que este e outro tipo de conceitos teve no consumo abusivo de fármacos (muitas vezes por via da auto-medicação), há alguns anos atrás. Efeito esse, que hoje pagamos com doídas condolências, num sistema implementado onde a dor se cura com comprimidos. Onde o estigma sobre fazer psicoterapia, incrivelmente, existe, onde tudo é magicamente resolvido numa consulta médica, por prescrição de receitas milagrosas, que no lugar da dor colocam uma anestesia dormente, mascarada por um efeito de efectivas melhoras, numa promessa de resolução.

O cenário agrava-se quando a procura de tratamento para a depressão ou para estados depressivos leva, como sucede na maior parte dos casos, precisamente a esse mesmo lugar. A receita é a que já se sabe, anulando consigo o valioso contributo daqueles cuja intuição foi capaz de reconhecer que o tal colega não andava lá muito bem porque o trabalho não ia de feição, ou que a tal amiga precisava de ajuda porque estava num doloroso processo de luto. O que não deixa de ser curioso: porque é que essa intuição, que é espelho da capacidade de entender o outro, nos leva tantas vezes a um processo de ajuda que se circunscreve às indicações terapêuticas de um fármaco, já se questionou?
Onde fica a palavra? Onde fica esse potencial de entendimento?

Fale connosco,
O Canto da Psicologia

Dr.ª Joana Alves Ferreira

1 comentário:

  1. À que reflexão rica pode nos levar este artigo! Realmente, diante de uma profusão de diagnósticos oficiais ou não de "Depressão" em larga escala, ficamos, em dias de crise, aturdidos, sem saber se o que sentimos tem base nos difíceis dias que vivemos, no "mal estar social" ou se sentimos de determinada forma porque estamos verdadeiramente doentes. Em que parâmetros estará situada a saúde? Penso que a troca de informações e impressões é fundamental para lidar da maneira mais verdadeira possível com cada situação. Obrigada por mais esta partilha valiosa. Um ótimo dia a todos da equipe. Lila.

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