quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

A música de Henry ou, os efeitos da Música na doença de Alzheimer...




A doença de Alzheimer, a forma mais conhecida de demência, é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela deterioração de diversas funções cognitivas, como a memória, raciocínio ou comportamento. Sendo uma doença progressiva, os seus sintomas desenvolvem-se gradualmente ao longo dos anos, piorando com o passar do tempo e interferindo de forma significativa nas tarefas do quotidiano, acabando por conduzir a uma situação de dependência total e, finalmente, à morte – segundo o ranking de 2016 da Direção-Geral da Saúde, a doença de Alzheimer representava a terceira principal causa de morte prematura em Portugal. Não existe ainda uma cura para esta doença, sendo que a esperança média de vida se situa nos oito anos após a deteção dos primeiros sintomas (variando entre 3 a 20 anos, dependendo da idade e condição de saúde). Ainda assim, apesar de o seu avanço ser irreversível, é possível recorrer a certas formas de tratamento que permitem abrandar a sua progressão e melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes. 

Uma das formas mais revolucionárias e impactantes de terapia pode ser levada a cabo através da música. Na doença de Alzheimer, bem como em diferentes tipos de demência, a memória musical permanece surpreendentemente robusta e bem preservada. Num estudo recentemente publicado no jornal Brain, um grupo de investigadores verificou que as regiões cerebrais responsáveis por codificar a memória musical em pacientes de Alzheimer se encontravam num estado significativamente menos avançado de degeneração, comparativamente às restantes áreas do cérebro. Apesar de a investigação nesta área se encontrar ainda numa fase inicial, a capacidade da música para desbloquear memórias e outras capacidades cognitivas em casos de Alzheimer tornou-se numa forte arma da neurologia, bem como uma inquestionável fonte de conforto para muitas pessoas com esta devastadora doença.

 O poderoso efeito que a música tem em pacientes com demência pode ser explicado de duas formas. Por um lado, devido ao seu conteúdo emocional, a música pode despertar algumas das memórias mais poderosas que possuímos – as memórias emocionais – sendo que este tipo de memórias tem a melhor hipótese de emergir em pacientes de Alzheimer. Para além disso, através da associação da música às atividades do quotidiano, os pacientes poderão desenvolver a capacidade de evocar a memória dessas mesmas atividades, melhorando as suas capacidades cognitivas. Por outro lado, ao aprendermos música, armazenamos esse conhecimento como memória de processamento – o tipo de memória associada a atividades rotineiras. Uma vez que a demência destrói em primeiro lugar as partes do cérebro associadas com a memória episódica – correspondente a episódios específicos nas nossas vidas –as partes associadas com a memória de processamento permanecem, em grande parte, intactas.

A “Music&Memory” (em português, “Música e Memória”), é uma organização sem fins lucrativos criada nos Estados Unidos que nasceu de uma simples ideia: fazer chegar a música aos lares e instituições de saúde. Com o auxílio de iPods ou leitores de MP3, e em parceria com as famílias e funcionários desses mesmos centros, são criadas listas de música personalizadas para cada indivíduo, possibilitando aos pacientes de Alzheimer, demência e outro tipo de barreiras cognitivas e físicas reconectarem-se com o mundo através das memórias despoletadas pela música. Um estudo levado a cabo em 98 lares de idosos onde este programa foi aplicado, concluiu que a aplicação de um programa de terapia musical personalizada ajudou diretamente na redução do uso de medicação antipsicótica e ansiolítica, resultando igualmente em melhorias nos sintomas de demência em pacientes de Alzheimer ou demências relacionadas. Em 2012, um excerto de um documentário acerca do trabalho desta instituição (Alive Inside: A Story of Music and Memory) tornava-se viral na Internet, atingindo milhões de visualizações por todo o mundo. Contava o fantástico caso de Henry, um dos pacientes de um lar de idosos e do seu fantástico “despertar” ao ouvir algumas das suas músicas favoritas. 

Depois desta leitura, veja e oiça novamente o vídeo...


João Silva
- Mestre em Música pela Escola Superior de Música de Colónia;
-Trompetista e Professor de música e investigador no Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade de Évora;
- A realizar o Doutoramento em Música e Musicologia na Universidade de Évora





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