sexta-feira, 30 de março de 2018

A semente de quem somos...







É nas relações que estabelecemos ainda enquanto crianças que se encontra a origem do que sentimos, daquilo em que acreditamos e da forma como nos relacionamos com os nossos outros significativos. Apesar de não termos normalmente memórias dos nossos primeiros anos de vida, é nesta fase que as sementes de quem somos são lançadas à terra. Não se pretende com isto reduzir a essência do ser humano a este período inicial de vida; naturalmente que as nossas experiências ao longo da vida também nos moldam. No entanto, há que olhar com atenção para esta fase tão especial, feita de primeiros encontros e desencontros.

Durante os primeiros anos de vida, é através da interação com as figuras cuidadoras que se torna possível a organização interna das crianças. Estas figuras são essenciais na maturação pulsional e estruturação do Eu que se dá na primeira infância, havendo uma transformação das experiências partilhadas em esquemas cognitivo-afetivos. Estes irão estruturar a forma como as crianças pensam e se sentem em relação a elas mesmas e às outras pessoas, o que lhes permite olhar para o mundo de uma forma simplificada, à luz destas experiências precoces.

Que características devem pautar estas figuras para que haja um desenvolvimento harmonioso na criança? Para que o mundo seja olhado com lentes realistas mas também essencialmente positivas? Arriscamos dizer que não sabemos. Não existem fórmulas certas, conselhos infalíveis e receitas mágicas. No entanto, apontamos duas características que nos parecem absolutamente essenciais: o afeto e a autonomia.

Sobre o afeto muito haveria por dizer, mas optamos por não nos alongar. Preferimos deixar a sua mente aberta às mais variadas manifestações de amor que possam existir e que façam parte do seu quotidiano: um beijo e um abraço ao acordar, um olhar cúmplice num momento de travessura, uma “colher-avião” à hora de jantar, ou uma história antes de adormecer. É a partilha, a cumplicidade, o desfrutar dos momentos que se passam em família.
Na autonomia, há que respeitar as várias fases em que as crianças (e também as famílias, diríamos nós) se encontram. No começar a andar e afastar da mão sempre pronta a amparar, e que de repente começa a ter de sacudir terra dos joelhos, limpar lágrimas da face e, mesmo assim, encorajar a seguir em frente. Na roupa que não combina e que foi escolhida por pequenas mãos, mas que, desde que ajustada à estação do ano, talvez possa ser simplesmente vista como muito criativa. No assistir a um tomar de decisões com as quais não se concorde mas que, apesar de tudo, poderão ensinar muito sobre o que são consequências. No acreditar em coisas diferentes, num pensamento crítico e promotor de discussões saudáveis, com a conquista de uma maior capacidade de argumentação.

Porque as sementes lançadas à terra se tornam, também elas, em árvores independentes, querem-se raízes fortes e resistentes às intempéries da vida.


Drª Carolina Franco
O Canto da Psicologia



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