quinta-feira, 19 de abril de 2018

Quando o pai quer e a mãe não quer ou, quando a mãe quer e o pai não quer...








Hoje relembramos-lhe uma história; uma daquelas bem antigas, já da altura da bíblia, uma passagem do Rei Salomão a jogar a causa de duas mulheres. Diz-nos a passagem:

16 Então, vieram duas mulheres prostitutas ao rei e se puseram perante ele. 17 E disse-lhe uma das mulheres: Ah! Senhor meu, eu e esta mulher moramos numa casa; e tive um filho, morando com ela naquela casa. 18 E sucedeu que, ao terceiro dia depois do meu parto, também esta mulher teve um filho; estávamos juntas, estranho nenhum estava conosco na casa, senão nós ambas naquela casa. 19 E de noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele. 20 E levantou-se à meia-noite, e me tirou a meu filho do meu lado, dormindo a tua serva, e o deitou no seu seio, e a seu filho morto deitou no meu seio. 21 E, levantando-me eu pela manhã, para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto; mas, atentando pela manhã para ele, eis que não era o filho que eu havia tido. 22 Então, disse a outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e teu filho, o morto. Porém esta disse: Não, por certo, o morto é teu filho, e meu filho, o vivo. Assim falaram perante o rei.
23 Então, disse o rei: Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho, o morto; e esta outra diz: Não, por certo; o morto é teu filho, e meu filho, o vivo. 24 Disse mais o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram uma espada diante do rei. 25 E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo: e dai metade a uma e metade a outra. 26 Mas a mulher cujo filho era o vivo falou ao rei (porque o seu coração se lhe enterneceu por seu filho) e disse: Ah! Senhor meu, dai-lhe o menino vivo e por modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem teu nem meu seja; dividi-o antes. 27 Então, respondeu o rei e disse: Dai a esta o menino vivo e de maneira nenhuma o mateis, porque esta é sua mãe. 28 E todo o Israel ouviu a sentença que dera o rei e temeu ao rei, porque viram que havia nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça.



Nas redes sociais, nos média, no tribunal e até na própria psicologia este é um conceito do qual se ouve falar cada vez mais. Hoje, aqui, colocamos o tema em cima da mesa: hoje, escrevemos/falamos sobre esta coisa de  alienação parental que consiste sobretudo na interferência psicológica provocada na criança ou adolescente por um dos seus progenitores contra o outro membro da família que também esteja responsável pela sua guarda e vigilância com o único intuito de criar desavenças e sentimentos negativos na criança em relação ao outro  progenitor.

Não temos como objectivo com este texto levantar nenhum tipo de questão social, política, jurídica sobre o termo ou conceito mas sim, convidar o leitor a reflectir sobre o conjunto de implicações que este (e muitos outros tipos de fenómenos) têm, actualmente,  nas crianças .

Já nos dizia João dos Santos que os pais podem e têm o direito de se divorciar e que apesar de estes acontecimentos tenderem a ter um impacto social e emocional na estrutura familiar - tanto para os pais como para a criança - não tem de ter um impacto exclusivamente negativo. Aquilo que tenderá a tornar este processo em contornos “incontornáveis” é a forma como os pais/adultos gerem o mesmo.

Em termos transversais, a criança e até mesmo o adolescente que estará em processo de desenvolvimento, não tem ainda consolidado um conjunto de competências e capacidades suficientes para perceber, integrar e aceitar um acontecimento destes na sua estrutura interna, acabando por se incluir, muitas vezes, na razão da ruptura, logo,  confrontando-se  inevitavelmente com dúvidas, incertezas, inseguranças,  inquietude, medo,  revolta ou, resultante da  culpabilização sentida enquanto responsabilidade sua pela desintegração do casal , adquirir um tipo de comportamento onde a inversão de papeis naquele registo familiar toma forma ficando e sentindo-se  responsável por cuidar, apoiar e preocupar-se excessivamente com o progenitor desenquadrando-se, totalmente, da ligeireza de vivências expectável para a sua idade. 

Não existem fórmulas mágicas ou “manuais” que nos permitam, enquanto pais e adultos,  perceber qual a maneira menos difícil de lidar com situações  de ruptura que implicam separação,  divórcio ou  afastamento, ou com a total ausência  dos pais, ou de um dos  progenitores. Sabemos, no entanto, que estas são sempre situações difíceis de gerir no seio da família  , seja para os pais, para o casal ou outros membros da família mas, sobretudo, para os  filhos. Existe e deve existir sempre a possibilidade de se poder reflectir sobre a forma como os pais (em sofrimento, angústia, raiva, tristeza, desamparo...) reagem e gerem estas situações esquecendo-se (também porque o seu espaço mental não os permite) na maior parte das vezes, do impacto que tudo isto tem na vida dos seus filhos; seja porque se diz algo desagradável sobre o outro progenitor, seja porque inconscientemente colocamos na criança a responsabilidade de cuidar de assuntos que dizem respeito aos adultos, seja porque tentamos incutir e alimentar na criança  o desejo de ficar só com um dos progenitores, seja porque se alimenta e se exige que esta se desgoste do pai/mãe, só porque o adulto assim o entende, enfim, um universo de atitudes que não são mais do que um estado de alienação parental alimentado muitas vezes não só pelos pais como por outros elementos da família.


Mas não será todo este processo uma forma de tapar uma ferida narcísica? O pai ou a mãe que se sentiu traído, abandonado, desamparado... Será que estes processos se dirigem apenas às crianças? Ou será que nos estamos a desresponsabilizar (inconscientemente) sobre os nossos próprios processos? Quando, sem intenção, permitimos que a criança fantasie com um final feliz em que o pai e a mãe, apesar de tudo, vão acabar por ficar  juntos? 
A traição, a separação, o afastamento de um dos progenitores é sempre vivida intensamente por todos os intervenientes mas sentida de maneira diferente tanto pela criança como pelos adultos. 

Ser mãe e ser pai é um caminho longo, é uma construção partilhada, repleta de desafios, alegrias, dúvidas e angústias. Nos momentos em que possa parecer ou que as coisas não estejam mesmo a funcionar, em momentos em que os adultos estão incapazes  de cuidar deles próprios e das  crianças, é importante que recorram a técnicos em espaços neutros que lhes permitam ajudar a pensar e reflectir sobre estes momentos tão desorganizadores para todos.

Nós, enquanto mediadores nestes contextos, estaremos por aqui, para os pais, para o casal e sobretudo para as crianças. Estamos aqui para esclarecer, orientar, desbloquear e ajudar na reorganização da comunicação familiar e da própria dinâmica familiar.


Drª Inês Lamares
O Canto da Psicologia




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