Hoje relembramos-lhe uma
história; uma daquelas bem antigas, já da altura da bíblia, uma passagem do Rei
Salomão a jogar a causa de duas mulheres. Diz-nos a passagem:
“16 Então, vieram duas
mulheres prostitutas ao rei e se puseram perante ele. 17 E disse-lhe uma das mulheres: Ah! Senhor meu, eu e esta
mulher moramos numa casa; e tive um filho, morando com ela naquela casa. 18 E sucedeu que, ao terceiro dia
depois do meu parto, também esta mulher teve um filho; estávamos juntas,
estranho nenhum estava conosco na casa, senão nós ambas naquela casa. 19 E de noite morreu o filho desta
mulher, porquanto se deitara sobre ele. 20 E
levantou-se à meia-noite, e me tirou a meu filho do meu lado, dormindo a tua
serva, e o deitou no seu seio, e a seu filho morto deitou no meu seio. 21 E, levantando-me eu pela manhã,
para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto; mas, atentando pela manhã
para ele, eis que não era o filho que eu havia tido. 22 Então, disse a outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e
teu filho, o morto. Porém esta disse: Não, por certo, o morto é teu filho, e
meu filho, o vivo. Assim falaram perante o rei.
23 Então, disse o
rei: Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho, o morto; e esta outra
diz: Não, por certo; o morto é teu filho, e meu filho, o vivo. 24 Disse mais o rei: Trazei-me uma
espada. E trouxeram uma espada diante do rei. 25 E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo: e dai
metade a uma e metade a outra. 26 Mas
a mulher cujo filho era o vivo falou ao rei (porque o seu coração se lhe
enterneceu por seu filho) e disse: Ah! Senhor meu, dai-lhe o menino vivo e por
modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem teu nem meu seja; dividi-o
antes. 27 Então, respondeu o
rei e disse: Dai a esta o menino vivo e de maneira nenhuma o mateis, porque
esta é sua mãe. 28 E todo o
Israel ouviu a sentença que dera o rei e temeu ao rei, porque viram que havia
nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça.”
Nas redes sociais, nos média, no
tribunal e até na própria psicologia este é um conceito do qual se ouve falar cada vez mais. Hoje, aqui, colocamos o tema em cima da mesa: hoje, escrevemos/falamos sobre esta coisa de alienação parental que consiste sobretudo na interferência psicológica provocada na criança ou adolescente por um dos seus progenitores contra o outro membro da família que também esteja responsável pela sua guarda e vigilância com o único intuito de criar desavenças e sentimentos negativos na criança em relação ao outro progenitor.
Não temos como objectivo com este
texto levantar nenhum tipo de questão social, política, jurídica sobre o termo
ou conceito mas sim, convidar o leitor a reflectir sobre o conjunto de
implicações que este (e muitos outros tipos de fenómenos) têm, actualmente, nas crianças .
Já nos dizia João dos Santos que
os pais podem e têm o direito de se divorciar e que apesar de estes
acontecimentos tenderem a ter um impacto social e emocional na estrutura familiar - tanto para os pais como para a criança - não tem de ter um
impacto exclusivamente negativo. Aquilo que tenderá a tornar este processo em
contornos “incontornáveis” é a forma como os pais/adultos gerem o mesmo.
Em termos transversais, a criança
e até mesmo o adolescente que estará em processo de desenvolvimento, não tem ainda consolidado um conjunto de competências e capacidades suficientes para perceber, integrar e
aceitar um acontecimento destes na sua estrutura interna, acabando por se incluir, muitas vezes, na razão da ruptura, logo, confrontando-se inevitavelmente com dúvidas, incertezas, inseguranças, inquietude, medo, revolta ou, resultante da culpabilização sentida enquanto responsabilidade sua pela desintegração do casal , adquirir um tipo de comportamento onde a inversão de papeis naquele registo familiar toma forma ficando e sentindo-se responsável por cuidar, apoiar e preocupar-se excessivamente com o progenitor desenquadrando-se, totalmente, da ligeireza de vivências expectável para a sua idade.
Não existem fórmulas mágicas ou “manuais”
que nos permitam, enquanto pais e adultos, perceber qual a maneira menos difícil de lidar com situações de ruptura que implicam separação, divórcio ou afastamento, ou com a total ausência dos pais, ou de um dos progenitores. Sabemos, no
entanto, que estas são sempre situações difíceis de gerir no seio da família , seja para os pais, para o casal ou outros membros da família mas, sobretudo, para os filhos. Existe e deve existir sempre a possibilidade de se poder reflectir sobre a forma como os pais (em
sofrimento, angústia, raiva, tristeza, desamparo...) reagem e gerem estas situações esquecendo-se (também porque o seu espaço mental não os permite) na maior parte das vezes, do impacto que tudo isto tem na vida dos seus filhos; seja porque se diz
algo desagradável sobre o outro progenitor, seja porque inconscientemente
colocamos na criança a responsabilidade de cuidar de assuntos que dizem
respeito aos adultos, seja porque tentamos incutir e alimentar na criança o desejo de ficar
só com um dos progenitores, seja porque se alimenta e se exige que esta se desgoste do pai/mãe, só porque o adulto assim o entende, enfim, um universo de atitudes que não são mais do que um estado de alienação parental alimentado muitas vezes não só pelos pais como por outros elementos da família.
Mas não será todo este processo
uma forma de tapar uma ferida narcísica? O pai ou a mãe que se sentiu traído,
abandonado, desamparado... Será que estes processos se dirigem apenas às
crianças? Ou será que nos estamos a desresponsabilizar (inconscientemente)
sobre os nossos próprios processos? Quando, sem intenção, permitimos que a criança fantasie com um final feliz em
que o pai e a mãe, apesar de tudo, vão acabar por ficar juntos?
A traição, a separação, o afastamento de um dos progenitores é sempre vivida intensamente por todos os intervenientes mas sentida de maneira diferente tanto pela criança como pelos adultos.
A traição, a separação, o afastamento de um dos progenitores é sempre vivida intensamente por todos os intervenientes mas sentida de maneira diferente tanto pela criança como pelos adultos.
Ser mãe e ser pai é um caminho
longo, é uma construção partilhada, repleta de desafios, alegrias, dúvidas e
angústias. Nos momentos em que possa parecer ou que as coisas não estejam mesmo a funcionar, em momentos em que os adultos estão incapazes de cuidar deles próprios e das crianças, é importante que recorram a técnicos em espaços neutros que lhes permitam ajudar a pensar e reflectir sobre estes momentos tão desorganizadores para todos.
Nós, enquanto mediadores nestes contextos, estaremos por aqui, para os pais,
para o casal e sobretudo para as crianças. Estamos aqui para esclarecer,
orientar, desbloquear e ajudar na reorganização da comunicação familiar e da
própria dinâmica familiar.
Drª Inês Lamares
O Canto da Psicologia
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