quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O Mundo não é mau; o mundo tem é coisas más...






Esta semana a minha irmã ligou-me; numa voz entre  emocionada e desiludida, contava-me num misto de excitação e tristeza que,  ao embeber as borbulhas , resultantes de um surto de varicela  do meu sobrinho mais velho ( faz  11 anos em Novembro) para acalmar a comichão, confrontou-se com os primeiros sinais de puberdade ao perceber que já havia, junto às virilhas, um pelo púbico a despontar com toda a força expectável destes primeiros pêlos.
Entre gargalhadas e comoção serenámos a nossa surpresa; até parecia que o verbo crescer não fazia parta da nossa existência enquanto família; afinal de contas é o meu sobrinho e ele está a crescer.

Depois de desligar a chamada ocorreu-me uma leitura recente das obras  “ Pedofilia e outras agressões sexuais “ de Anna C. Salter e “ A sexualidade traída – abuso sexual infantil e pedofilia" de Francisco Allen Gomes e Tereza Coelho e lembrei-me de um pequeno excerto que vou partilhar:

O que diria ela, por exemplo, dos três irmãos que entrevistei na semana passada por terem sido molestados por um adulto na infância?  Um deles lembrava-se distintamente da última vez que o adulto teria abusado dele;… ao acariciar-lhe os órgãos genitais nus do rapaz quando reparou que lhe começavam a despontar os primeiros pêlos púbicos. O adulto deteve-se imediatamente.
 - O que é isto? – perguntou-lhe ele
- São pêlos – respondeu a criança – já aí estavam.
- Isso vejo eu – retorquiu o adulto e levantou-se de imediato. Essa foi a última vez que ele molestou a criança. Todavia, continuou a abusar dos seus irmãos mais novos.”

Pedofilia e outras agressões sexuais – Anna C. Salter

E respirei de alívio! Dos pedófilos, está safo; dos agressores sexuais, nem tanto! E repeti para mim mesma, o Mundo não é mau; O mundo tem é coisas más!

Igualmente esta semana, deambulando pelo Facebook,  encontrei um post tremendamente pertinente de uma colega nossa que chamava a atenção, desta forma, para a nudez das crianças  exposta em praias, piscinas e afins, alertando, em modo de prevenção, para o cuidado a ter na exposição dos nossos filhos aos olhos de quem não conhecemos ( deixemos os olhos de quem conhecemos para outra altura) porque efectivamente não sabemos quem está por de trás de um olhar; permito-me partilhar:

“Nas praias e piscinas continuamos a ver centenas de crianças nuas e semi-nuas. Questionados sobre isto, os pais respondem estupefactos que “são apenas crianças, por amor de Deus!” E olham-me como um bicho raro.
Pois são, são apenas crianças, pré-púberes, que não têm ainda os caracteres sexuais secundários. Não têm pelos nem maminhas. Têm um ar fofo, inocente e que inspira cuidados e protecção.
Pois, mas não são estes os sentimentos e motivações que inspiram em todas as pessoas. Quem se sente sexualmente atraído por crianças encontra nesta descontracção parental a oportunidade certa para satisfazer este desejo.
Sei que dito desta forma, nua e crua, choca. Mas é a realidade. Existem pessoas, homens e mulheres, que se sentem sexualmente atraídos por crianças e que adoram observar as crianças nuas e semi-nuas que brincam descontraidamente na água.
Pensemos nisto na hora de vestir (ou despir) as crianças para brincarem na água.
Drª Rute Agulhas

E voltei a respirar de alívio! Estes alertas, mesmo que despertem variadíssimos tipos de reacções dos pais, são importantes; e repito, o mundo não é mau; o mundo tem é coisas más!

Tal como seria de esperar as reacções e os comentários foram imensos, uns a favor, outros em jeito de negação perante esta realidade e outros ainda procurando um equilíbrio entre estes opostos.
Definitivamente, por aqui, estamos nestes últimos. Não há que criar o pânico e a ideia, tal como alguém comentava, de que o inocente é que tem que pagar pelo pecador impedindo assim as crianças de poderem ser livres e comportarem-se como crianças mas, num mundo em que cada vez mais os comportamentos sexuais desviantes emergem sem filtros e dos quais vamos igualmente tendo cada vez mais conhecimento, o não prevenir, o não estar atendo, o negligenciar, responsabiliza-nos de alguma maneira!

No livro “ A sexualidade traída – Abuso sexual infantil e pedofilia - ” de Francisco Allen Gomes e Tereza Coelho, referem-se à pedofilia, entre outras patologias, como algo do domínio das parafilias   e parafilia como palavra científica que veio, "por decoro e espírito científico, substituir a palavra perversão, desvio;" como referem, a “pedofilia é, portanto, uma parafilia (perversão, desvio) em que o objecto de desejo são as crianças impúberes."

Ora bem, num mundo de globalização em que as redes sociais e a Internet são os veículos mais que assumidos de propagação de toda a informação que por lá colocamos e que os telemóveis de hoje vem apetrechados de possibilidades infinitas sendo as mais comuns as câmaras que fotografam e filmam com uma qualidade inquestionável podemos, perante cenários possíveis , colocar-nos num contexto inofensivo e simples de um dia de praia em que famílias num registo de aparente normalidade, movimentam-se tranquilamente sem se aperceberem de que alguém, perfumado e sem mácula de perversidade no seu semblante, filme e fotografe os seus filhos que brincam nus e inocentemente em poças de água à beira mar; alguém perfumado, sim, porque dos mal cheirosos, todos nós nos afastamos e esses são os menos perigosos, exactamente pela reacção que provocam em nós!
" Neste livro, o tema do pedocrime na Internet (...) foi referido, apenas de passagem. desde os anos oitenta que há noticias sobre a utilização da Internet para circulação e troca de imagens de crianças e de pornografia infantil".
 “ A sexualidade traída – abuso sexual infantil e pedofilia" de Francisco Allen Gomes e Tereza Coelho

Efectivamente não conseguimos nem devemos andar com os nossos filhos dentro de uma bolha de alta protecção; nem deixar de lhes proporcionar experiências prazerosas só porque o perigo espreita; o nosso papel é deixá-los viver estando atentos e vigilantes,  suficientemente perto e suficientemente longe, com regras de segurança básica muito presentes  e sobretudo passando-lhes a mensagem, numa linguagem adequada à idade, da a importância  do que é do domínio privado e do que é do domínio público.

Até lá, e em jeito de partilha, tenhamos isto muito presente:
- É indispensável que o seu filho/a sinta que pode falar com a mãe, com o pai, com um adulto que o compreenda;
- Informar! Informação é prevenção; explicar desde cedo a uma criança e o cedo é desde que ela seja capaz de o entender ( com cinco ou seis anos já entende) que pode ser abusada e como é que é abusada; noção de partes privadas onde não pode ser tocada; o meu corpo é meu! cuidar para que a tónica presente no discurso não passe  uma imagem negativa do sexo como sendo algo mau, grave e errado.
- Não entrarem em carros de estranhos;
- Não aceitar nada de estranhos;
- Não irem a lado nenhum, sob qualquer pretexto, com alguém que não conheçam;
- e se sentirem que estão a ser agarrados e puxados contra vontade ( em determinadas circunstâncias é um mal menor apesar de se educar para que não tenha este tipo de comportamento) gritar o mais que puder, morder e dar pontapés.  

Continuo neste registo simples de que o mundo não é mau, tem é coisas más e que cabe a nós, enquanto pais, mostrar exactamente isso aos nossos filhos, ensinando-lhes igualmente formas de se defenderem; e enquanto não forem capazes de o fazerem sozinhos,  sentirem que nos tem enquanto protectores sempre atentos e vigilantes mas nunca castradores da sua liberdade e potencialidade de vida...

Por isso, divirta-se, permita-lhes determinadas liberdades e usufrua do privilégio de ver o seu/sua filho/a crescer em segurança e num balanço saudável...


Drª. Ana de Ornelas
Directora Técnica
O Canto da Psicologia


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