quinta-feira, 15 de novembro de 2018

À porta fechada...







Mas diga-me Doutora, o que é que posso fazer? Eu quero ajudá-lo mas não sei o que é que devo dizer, o que é que devo perguntar, fico assim sem saber qual é o meu lugar.


A regra é de ouro: o trabalho desenvolvido no espaço terapêutico é confidencial. Não nos iremos alongar nas diferenças entre um processo com adultos, com adolescentes ou com crianças, uma vez que se levantarão naturalmente questões um pouco diferentes. Pretendemos antes frisar o quão importante esta regra é na criação de uma aliança terapêutica, com vista a um trabalho conjunto que se pretende transformador. Com os adultos, esta questão da confidencialidade é comummente apresentada e discutida no início do processo, para que não restem dúvidas em relação ao que isto implica e às suas limitações. Tal significa, portanto, que assim como sucede com todas as regras, existem exceções que a confirmam.

Surgem por vezes situações em que o terapeuta poderá ter de trazer, de forma muito cuidada, o envolvimento real e não apenas simbólico de um terceiro elemento no processo em desenvolvimento. Tal como refere a Ordem dos Psicólogos Portugueses, ­­­«a não manutenção da confidencialidade pode justificar-se sempre que se considere existir uma situação de perigo para o cliente ou para terceiros que possa ameaçar de uma forma grave a sua integridade física ou psíquica (…)». Quererá isto dizer que de repente se deixa de aplicar qualquer direito à privacidade e que qualquer pessoa poderá passar a saber aquilo que até então era apenas do par terapêutico (terapeuta e paciente)? Mais uma vez, a Ordem esclarece: «a informação confidencial é transmitida apenas a quem se considerar de direito e imprescindível para uma intervenção adequada e atempada face à situação em causa (…)». Então, o que significa tudo isto? Que não é de ânimo leve nem de forma impulsiva que tal regra é quebrada. Que tal só acontece se for absolutamente necessário, após avaliação cuidada, e com o conhecimento prévio do paciente, para que este entenda este gesto como um cuidado essencial no decorrer do trabalho psicoterapêutico conjunto.

A frase citada no início deste texto foi proferida por um familiar de M., paciente em acompanhamento que se encontrava a passar por uma fase particularmente difícil. O seu familiar foi contactado após decisão do par terapêutico, tendo-se decidido incluir esta pessoa no processo para que pudesse dar o seu apoio ao M. caso tal fosse necessário. A sua exclamação traduz a preocupação de quem de repente percebe que não sabe como há de agir com alguém que se ama e que se sabe que está a sofrer. Alguém que fica inquieto com o seu familiar e que deseja ajudar, mas sem saber ao certo como. Alguém que pede conselhos específicos sobre o que deve dizer, como se deve comportar… Quando na realidade, não há uma resposta única que sirva a todas as situações.

O que significa apoiar alguém que está a passar por um sofrimento tão imenso, sabendo que não se consegue magicamente aliviá-lo da sua dor? O que se pode fazer? De uma forma geral, sugeriríamos que, talvez acima de tudo, esteja o escutar. Não apenas ouvir, como se de barulho de fundo se tratasse. Falamos de um verdadeiro escutar, em que todos os sentidos se afinam numa só direção, em que se permite que as palavras arrepiem a pele e sejam sentidas de forma quase táctil. Será que isso não é o que de mais valioso se pode oferecer a quem se ama? Nem sempre é necessário dizer «vai ficar tudo bem» quando não se sabe se isso é verdade: talvez mais importante seja dizer «estou aqui para ti, seja para o que for». Por vezes não é fácil ajudar alguém que esteja a passar por uma fase difícil, e seria maravilhoso se um simples abraço resolvesse dores antigas, mágoas profundas e lágrimas que teimam em correr. Pode não resolver, mas apostaríamos que esse abraço tem o potencial de se infiltrar para além da pele e tocar no centro de quem se é, aliviando o peso que se carrega. É que quando alguém pede ajuda, muito frequentemente não é num sentido literal e instrumental: é apenas um movimento humano, de quem se quer ver reconhecido, aceite, amado.

Drª Carolina Franco




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