quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Da indispensabilidade do desgosto...



            

O processo de idealização de quem ou do que quer que seja, por inerência do movimento, é um ensejo produtivo, expansivo e que rasga o horizonte interno e externo do indivíduo e lhe assegura, ainda que transitoriamente, o experienciar do seu potencial criativo de construção de um (seu) universo de possibilidades. Dir-se-ia, no sentido lato, a paixão.

Pelo contrário, o desencanto, enquanto desconstrução anacrónica e desorganizada do ideal, apresenta-se como desvelar último do destemperamento e esvaziamento da relação de objecto internalizada ou, até, em solução negativa, a regressão à clivagem para a componente agressiva dessa relação, com o necessário sobrevir das nuances paranóides, alicerçadas num clima afectivo intenso, de mágoa, ressentimento e, amiúde, raiva narcísica. Pensar-se-ia, também pela toada da narrativa, em decepção.

Ambos, de forma mais ou menos velada, acabam por cumprir, aparentemente, duas necessidades, mesmo inevitabilidades do psiquismo. Desde logo, asseguram os movimentos progredientes e regredientes que traduzem o continuum de ligação-construção e o continuum de desligamento-destruição, respectivamente. Escrever-se-ia, do eros e thanatos. Complementarmente, asseveram e testemunham a paradoxal aspiração homeostática da nossa mente; i.e., a tentativa vã de um “para lá do conflito”, mas, sobretudo, de um “para lá da angústia existencial”. Adite-se, ainda, a este propósito, o quão inexorável é a relação entre esta busca e o princípio biológico (celular) e da física (atómico). No fundo, a consubstanciação última da ligação ontológica universal: psique-soma-cosmos. Sugerir-se-ia, a unicidade.

Torna-se portanto crucial admitir e aceitar o encanto e o desencanto, a paixão e a decepção, a conquista e a perda, enquanto expressões primárias e últimas de uma experiência subjectiva plena, profundamente humana, tradutora de uma inquietude intelectual e afectiva vívida e de um inconformismo vivencial nato. É também essa a função do empreendimento e espaço psicoterapêutico: a oportunidade única de, gradualmente, acedermos à relatividade das nossas perdas e valia das nossas conquistas. O acesso a uma ambivalência complacente de que - terminar-se-ia - tudo isso, outrora como agora, é viver. 







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