quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Por onde andam os afectos na Era do Burnout?




Habituámo-nos a viver em contra-relógio como se a vida fosse uma autêntica gincana que nos coloca em prova todos os dias. Na contemporaneidade que nos caracteriza somos guiados por uma bússola que nos impele a correr de manhã à noite. 

O contra-relógio começa cedo pela manhã, e os desafios são muitos, mesmo antes de nos encontrarmos no local de trabalho, seja pelo trânsito que nos acompanha desde a porta de casa à folia de deixar os miúdos na escola. 
Quando finalmente chegamos ao local de trabalho, a luta contra o tempo é maior ainda e a competição direccionada aos outros ou a nós próprios, não nos deixa esquecer que a corrida continua.  Aqui, os desafios são outros, são mais complexos, mais conflituosos, mais exigentes e também mais impossíveis! 

Os psicoterapeutas, recebem em consulta e cada vez em maior número, vários casos de ansiedade, depressão e exaustão mental relacionados com a actividade profissional, por excesso de trabalho ou por conflitos interpessoais. São vários os quadros psicológicos e físicos que têm proveniência no desgaste emocional e no desequilíbrio provocado pela vida profissional. 

Com especial atenção a este fenómeno, a OMS incluiu, este ano, o ´Burnout´na nova classificação internacional de doenças. Esta síndrome apresenta uma vasta sintomatologia que se estende por um longo período de tempo. Sensação de cansaço permanente, baixa produtividade, apatia e isolamento social, alteração do sono e alimentação, dores de cabeça ou musculares, sentimentos de inutilidade e fracasso, sentimento de realização profissional muito baixo, tristeza e irritabilidade, são alguns sinais que podem indicar a presença de um stress excessivo e patológico.
Como pode a vida profissional ter um impacto tão nocivo e condicionar o funcionamento psicológico?

O ser humano necessita, à partida, de condições básicas emocionais para conservar a integridade e equilíbrio psíquico - sentir um bem estar interno individual onde o desejo, a ambição, o sonho e a esperança assumem o papel de protagonistas é uma dessas condições. Sentir-se ligado afectivamente aos outros e criar vínculos que se expressam em relacionamentos mais ou menos íntimos é essencial e ajuda a manter as estruturas psíquicas saudáveis.
Por outro lado e, também com vista à manutenção do equilíbrio interno, utilizamos um conjunto de mecanismos psicológicos que nos protegem de possíveis situações desestruturantes provenientes de diversos eventos da vida.

No Burnout percebemos que estes elementos estão completamente desajustados, seja por défice ou por excesso. 

As actividades laborais caraterizam-se atualmente por elevada contenção e inibição, escassez de criatividade e falta de interações interpessoais sadias, onde a competição toma o lugar da cooperação, a ausência de investimento cria apatia e a esperança é suprimida. Este contexto promove a presença de movimentos defensivos de forma exagerada e desencadeia o aumento do sofrimento,criando uma vida psíquica vazia e desprovida de sentido. Psicologicamente, a pessoa deixa de desejar, investir e arriscar, muitas vezes anulando do seu dia-a-dia as actividades que mais prazer lhe trazem.

É irónico que o lugar e o tempo dos afectos se torne cada vez mais raro quando a Era da tecnologia nos trouxe mais conforto, mais proximidade e autonomia. Era de esperar que o mundo digital promovesse e facilitasse o contacto com os afectos. Mas não! Os afectos são substituídos por vínculos frágeis, robotizados, empobrecidos e pouco criativos. Os relacionamentos e os investimentos individuais são mascarados e virtuais no estar e no sentir.

Contrariamente ao que viver em contra-relógio favorece, são os afectos autênticos e ricos – composto emocional primordial, aqueles que sustentam o equilíbrio, a lucidez e a saúde mental.






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