Felicidade - O Futuro de uma Ilusão?
“Essa felicidade que supomos
(…)
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos”
(Vicente de Carvalho)
Vivenciar a felicidade parece ser um desejo comum a todos os
seres humanos, que tem vindo a ser transversal a todas as épocas históricas.
Com efeito, podemos considerar que, desde os primórdios da humanidade, o tema
de maior importância subjacente às diversas atitudes do ser humano é a busca
pela felicidade. Esta parece ser a força motriz que mobiliza o indivíduo a
trabalhar, criar, estabelecer vínculos afetivos, fundando-se como elemento
organizador e mobilizador da própria vida.
Para muitos autores, a demanda incessante pela felicidade
surge como contra-resposta aos desafios inerentes à condição humana, que, por
natureza, está exposta a situações de fragilidade, que acarretam sofrimento,
dor, decepção e, perante os quais emerge a necessidade de procurar formas de
alívio. Ao longo dos tempos, a importância concedida ao tema e os meios pelos
quais esta procura foi encetada nas diferentes culturas não foi, naturalmente,
a mesma. O século XX introduziu uma nova forma de encarar o bem-estar
individual, com repercussões para os dias de hoje. A sociedade de consumo
permitiu ao indivíduo a ilusão de uma suposta felicidade, concretizada pelo
acesso aos bens materiais, mas que contém em si mesmo um paradoxo: quanto maior
é o seu acesso, mais fugaz se torna o prazer, levando, então, a uma compulsão à
repetição.
Somos mais felizes hoje do que antigamente, com todos os
progressos materiais e tecnológicos de que dispomos? De acordo com alguns
estudos, não existe uma correlação directa entre o crescendo da prosperidade e
a sensação de bem-estar. Tudo indica que, pelo contrário, passa a haver um
menor retorno em termos de felicidade, quanto maior o acesso ao consumo. Na
verdade, o mundo pós-moderno é identificado, em muitos aspectos, por este
consumismo e por uma cultura hedonista, pautada pelo desapego nas relações
interpessoais e pelo individualismo. É aqui que se instala um estado de
insegurança que influi numa procura e num consumo constante, como forma de
sustentar a utopia da felicidade. Trata-se, por isso, de uma felicidade
mascarada, que escamoteia estados de insatisfação cada vez mais permanentes,
onde o tempo se torna um inimigo. Vive-se numa lógica de “contra-relógio” que,
em si mesmo, introduz um paradoxo: os sujeitos, cada vez mais ocupados, com uma
agenda cheia de conteúdo, mas subjetivamente vazia de sentidos e propósitos
estáveis.
A Saúde Mental será, então, nos dias de hoje, mais do que
procurar “o futuro de uma ilusão”, encontrar e fortalecer os recursos internos
do indivíduo, acreditando no seu potencial criativo e fortalecendo-o, para que
seja o protagonista activo do seu bem-estar.
O Canto da Psicologia,
Dr.ª Joana Alves Ferreira
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