quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Nem tudo é um problema...








A maternidade/paternidade presenteia-nos com a riqueza e a beleza de vermos os nossos filhos a crescer. No entanto, não é novidade para todos aqueles e aquelas que são pais e mães que nem tudo são rosas!! 
A passagem de uma fase de desenvolvimento a outra é, ela própria, geradora de ansiedade à criança ou ao jovem. Na maioria das vezes esta ansiedade traduz-se em alterações do comportamento que coloca aos pais e educadores dificuldades e desafios que podem ser mais ou menos desestabilizadores da harmonia familiar, consoante a maior ou menor possibilidade dos adultos para auxiliar a criança/jovem a ultrapassar as suas dificuldades.
O desmame, deixar o quarto (ou a cama) dos pais para ir para o próprio quarto,  a agitação aquando da aquisição da marcha, o desfralde, a entrada no infantário ou na escola, os conflitos com os pares e a relação com os professores, a adolescência com as suas múltiplas transformações (internas e externas), são fases do desenvolvimento normativo causadoras de ansiedade na criança e no jovem que, do ponto de vista do adulto, fica “mais difícil de lidar”. 
Por outro lado, a criança também sofre de stress. Mudanças significativas ou constantes de casa, escola ou país, o excesso de actividades, a vivência de brigas e/ou divórcio dos pais, a mudança de ciclos e a retenção, mortes na família (principalmente pais ou irmãos), ser vítima de rejeição por parte dos colegas, hospitalização e doenças, nascimento de um irmão, troca de professora ou de ama, entre outros, são das principais fontes de stress infantil e que muitas vezes ultrapassam a sua capacidade de adaptação.

Temos observado ao longo da nossa prática clínica, bem como em trabalho desenvolvido numa Creche e Centro de Educação Infantil, que alguns pais preocupam-se com comportamentos dos filhos que são simples manifestações de desenvolvimento ou então ficam “em pânico” sobre como lidar com a criança num determinado momento em que ela própria ou a família passa por uma crise ou mudança significativa, apesar de não haver qualquer sinal de perturbação na criança. Outros, por sua vez, têm um problema grave à frente dos olhos e não estão a dar por ele. 
E de facto, no corre-corre do dia-a-dia e para quem vive os conflitos tão de perto, é muitas vezes difícil discernir se estamos perante padrões normais de alteração do comportamento ou se estamos já perante um sintoma, ou seja, um sinal de sofrimento psíquico na criança ou no jovem que requer uma maior atenção ou mesmo uma intervenção psicoterapêutica. Como discernir? 

De acordo com a teoria psicanalítica, desde bebés vamos adquirindo a capacidade para nos pensarmos a nós mesmos (os nossos sentimentos e pensamentos) bem como ao mundo que nos rodeia (o nosso meio e os acontecimentos à nossa volta), gradualmente e a partir dos cuidados que nos são prestados e da relação com os nossos cuidadores. É esta capacidade que nos permite gerir as emoções fortes, e em particular enfrentar os momentos mais difíceis e que põem à prova a nossa capacidade de lidar com as dificuldades da vida e com os sentimentos mais difíceis. A criança, evidentemente, não tem este “aparelho mental” ainda suficientemente amadurecido para poder tranquilizar-se a si mesma. O sintoma serve-lhe assim para comunicar os sentimentos e emoções que não consegue pôr em palavras, como a confusão, a revolta, a desilusão, a tristeza, a frustração, a insegurança, o medo, etc.
Descartada a possibilidade de causa orgânica os sintomas têm causa emocional e são sempre reveladores de sofrimento psíquico, podendo mesmo chegar a quadros depressivos graves. De um modo geral, as crianças manifestam o seu mal-estar interior através de sintomas diversos. Dores de barriga ou de cabeça, náuseas, agitação, tensão muscular, gaguez, ranger de dentes e surgimento de tiques nervosos são os mais comuns, dentro da sintomatologia de manifestação física. Agressividade, choro fácil, pesadelos ou terrores noturnos, ansiedade, insegurança, dificuldades de relacionamento interpessoal com os colegas, com os pais e/ou com os educadores, mudanças súbitas e constantes de humor, dificuldades de atenção, irritabilidade, dificuldades escolares, são também sintomas muito comuns, manifestados ao nível do comportamento.

Mas existem outros sintomas menos comuns, no entanto mais complexos, que surgem em fases mais tardias e requerem já, inequivocamente, de intervenções especializadas. Entre eles temos a enurese nocturna e a encoprese, atrasos psicomotores, instabilidade psicomotora, inibição psicomotora, perturbações da lateralização, tiques, perturbações do sono (Insónia, perturbação do adormecer ou do curso do sono), perturbações da alimentação (anorexia, vómitos, bulimia, mericismo), perturbações da linguagem (atraso simples, disfasias, mutismo, gaguez).
Estes sintomas mais complexos surgem por vezes na sequência de sintomas mais simples que foram ignorados pelos pais, que procuraram soluções lidando como podiam e sabiam, esperando que passasse ou ainda medicando de acordo com opinião médica (por exemplo, dando calmantes à criança irrequieta/incómoda) só vindo a preocupar-se mais na idade escolar. 

Como vimos, no entanto nem tudo é um problema tão grave que requeira uma intervenção médica ou psicoterapêutica dirigida à criança ou ao jovem. 
Em algumas famílias os “picos de desenvolvimento” pelos quais a criança passa podem gerar verdadeiros dramas familiares, derivados não de um problema na criança mas da dificuldade dos pais/educadores em lidar com a mesma nessas fases. O mesmo acontece quando a criança ou a família passam por uma mudança significativa ou crise. Quando assim é, uma ajuda especializada dirigida aos pais ou aos educadores, para os auxiliar a lidar com a criança nessa situação e a passar por essa fase com maior tranquilidade, é indicada, sob pena de se comprometer o desenvolvimento da mesma ao estigmatizá-la e ao colocar somente nela um problema que na realidade é de todos. 

Nas consultas de Aconselhamento/Orientação Parental, concedemos um olhar “de fora” que ilumina para além do sintoma ou da alteração de comportamento apresentada pela criança/jovem, tranquilizamos os pais, desdramatizamos situações “emperradas”, desfazemos a culpa de ambos os lados (pais e filhos), damos suporte aos pais e às mães para que pensem de um modo diferente o seu papel de auxiliares no desenvolvimento dos filhos, despertando também a sua capacidade de reflexão, ajudamos os pais a compreenderem-se a si mesmos também, a partir das dificuldades que estão a viver com o seu filho.  



Dra. Irene Cardoso
O Canto da Psicologia




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