quinta-feira, 16 de agosto de 2018

As crianças sabem que são amadas quando se brinca com elas…







O mundo natural das crianças é o do brincar e, nessa medida, elas desejam, tipicamente, esses momentos com os pais e, com maior legitimidade, quando toda a família se encontra mais disponível para essas interacções, sendo os fins-de-semana e as férias os períodos mais propícios para essas experiências. Deste modo, é sobretudo nessas alturas que as crianças observam e sentem, em grande medida, a qualidade do amor parental através da experiência partilhada do brincar.

Importa frisar que nas sessões de psicoterapia com crianças, uma das queixas infantis mais habituais, quer seja explícita ou implícita, reside na imensa frustração que as crianças sentem por brincarempouco com os seus pais. Para que tal suceda tão pouco, algumas vezes ocorrem mal-entendidos na relação pais-filhos, dado que os pais podem julgar que as crianças se divertem de tal forma com jogos num tablet, consola ou smartphone que até parece que não dão importância ao brincar interactivo e real com os pais. Quando assim acontece, é importante notar que as crianças que não apelam pela atenção dos pais, de algum modo já desistiram de o fazer… mas tal não significa que não necessitam dessa expressão de amor fundamental, o qual passa por experiências lúdicas com os progenitores, na medida em que são as pessoas mais importantes das vidas delas.


Um qualquer aparelho tecnológico pode facilitar alguns momentos de diversão às crianças, mas, principalmente nos casos em que os pais não se envolvem nessas actividades com os filhos, as crianças habituam-se a retirar dessas experiências um bem menor, de mero entretenimento ou distracção, de alguma forma controlado por elas e que não depende da (pouca) vontade dos pais brincarem. Assim, compreende-se que as crianças já não apelem aos pais, porque, desse modo, evitam a esperada dor da rejeição.

Como tão bem elucidou o pediatra e psicanalista Donald W. Winnicott (no seu célebre livro “O brincar e a realidade”, de 1971) “é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”. Deste modo, torna-se evidente que a restrição do brincar na relação pais-filhos dificulta um bom e saudável desenvolvimento do que é ser humano. De facto, pais que não brincam suficientemente com os filhos mostram,enquanto modelos parentais que são na relação vivida, no aqui-e-agora com as crianças, que essa via tão importante para o conhecimento do próprio, das relações humanas, e do desenvolvimento da capacidade de imaginação e criatividade, está a ser desvalorizada, encontra-se bloqueada ou até mesmo comprometida.

Por conseguinte, muitas vezes, nas consultas de aconselhamento parental, é clarificado o impacto e a relevância da dimensão do brincar na relação pais-filhos, sendo algo que, tantas vezes, está escondido em outros problemas como a desobediência das crianças ou nas dificuldades dos pais em imporem as suas regras educativas. De facto, é importante notar que as crianças quando se sentem muito frustradas por brincarem pouco com os pais, tendem a contrariar, com muita mais intensidade e frequência, os limites e a autoridade parental. E, nessa revolta das crianças, ainda lá reside, bem disfarçada e protegida, a esperança que os pais entendam as genuínas necessidades infantis, em brincar com eles, de modo a que possam sentir que são crianças, profundamente, amadas…


Dr. Nuno Almeida e Sousa
Psicólogo Clínico
O Canto da Psicologia



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