O mundo natural das crianças é o do brincar
e, nessa medida, elas desejam, tipicamente, esses momentos com os pais e, com
maior legitimidade, quando toda a família se encontra mais disponível para
essas interacções, sendo os fins-de-semana e as férias os períodos mais
propícios para essas experiências. Deste modo, é sobretudo nessas alturas que
as crianças observam e sentem, em grande medida, a qualidade do amor parental
através da experiência partilhada do brincar.
Importa frisar que nas sessões de
psicoterapia com crianças, uma das queixas infantis mais habituais, quer seja explícita
ou implícita, reside na imensa frustração que as crianças sentem por brincarempouco com os seus pais. Para que tal suceda tão pouco, algumas vezes ocorrem
mal-entendidos na relação pais-filhos, dado que os pais podem julgar que as crianças
se divertem de tal forma com jogos num tablet, consola ou smartphone que até
parece que não dão importância ao brincar interactivo e real com os pais.
Quando assim acontece, é importante notar que as crianças que não apelam pela
atenção dos pais, de algum modo já desistiram de o fazer… mas tal não significa
que não necessitam dessa expressão de amor fundamental, o qual passa por
experiências lúdicas com os progenitores, na medida em que são as pessoas mais
importantes das vidas delas.
Um qualquer aparelho tecnológico pode
facilitar alguns momentos de diversão às crianças, mas, principalmente nos
casos em que os pais não se envolvem nessas actividades com os filhos, as
crianças habituam-se a retirar dessas experiências um bem menor, de mero entretenimento
ou distracção, de alguma forma controlado por elas e que não depende da (pouca)
vontade dos pais brincarem. Assim, compreende-se que as crianças já não apelem
aos pais, porque, desse modo, evitam a esperada dor da rejeição.
Como tão bem elucidou o pediatra e
psicanalista Donald W. Winnicott (no seu célebre livro “O brincar e a
realidade”, de 1971) “é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo,
criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é
somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”. Deste modo, torna-se evidente que a restrição do brincar na
relação pais-filhos dificulta um bom e saudável desenvolvimento do que é ser
humano. De facto, pais que não brincam suficientemente com os filhos mostram,enquanto modelos parentais que são na relação vivida, no aqui-e-agora com as
crianças, que essa via tão importante para o conhecimento do próprio, das
relações humanas, e do desenvolvimento da capacidade de imaginação e
criatividade, está a ser desvalorizada, encontra-se bloqueada ou até mesmo
comprometida.
Por conseguinte, muitas vezes, nas
consultas de aconselhamento parental, é clarificado o impacto e a relevância da
dimensão do brincar na relação pais-filhos, sendo algo que, tantas vezes, está
escondido em outros problemas como a desobediência das crianças ou nas
dificuldades dos pais em imporem as suas regras educativas. De facto, é
importante notar que as crianças quando se sentem muito frustradas por brincarem
pouco com os pais, tendem a contrariar, com muita mais intensidade e
frequência, os limites e a autoridade parental. E, nessa revolta das crianças,
ainda lá reside, bem disfarçada e protegida, a esperança que os pais entendam
as genuínas necessidades infantis, em brincar com eles, de modo a que possam
sentir que são crianças, profundamente, amadas…
Dr. Nuno Almeida e Sousa
Psicólogo Clínico
O Canto da Psicologia
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