quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Lutos relacionais e outros...






O ser humano apresenta a particularidade de sofrer com processos de luto: mudanças consistentes a nível relacional, as quais podem ser vividas de forma mais ou menos dolorosa, dado o sentimento de perda associado a essas experiências.
É importante clarificar que o luto não é um processo de esquecimento ou um qualquer fenómeno de amnésia parcial ou total de uma relação vivida; antes pelo contrário, um processo de luto bem desenvolvido requer a consciência clara do que foi vivido e da forma como essa relação se transformou, e continua a transformar-se, no mundo interno de cada pessoa.
Saliente-se que mesmo nos casos mais dolorosos de processo de luto, quer seja por uma ruptura relacionalsignificativa, associada a uma escolha de um ou ambos os participantes dessa relação, ou mesmo por motivo de falecimento de alguém especialmente relevante para a pessoa enlutada, a relação, em si, não será eliminada, mas sim sujeita à transformação que a nova dinâmica relacional solicita: a relação externa, presencial, já não estará a ser vivida, pelo menos da mesma forma, mas continuará a desenvolver-se no mundo interno, não só face ao que se sente e pensa sobre as memórias vividas, mas também sobre o que se vai vivendo já sem essa relação presencial.
Por conseguinte, todas as relações estão sujeitas a um processo de luto: de experiências externas, temporalmente limitadas, para realidades internas em desenvolvimento ao longo de todo o percurso de vida de cada pessoa.
A ausência de alguém que se ama pode doer muito até que se reconheça, suficientemente, que essa relação continua a viver num espaço-tempo totalmente seguro e acessível, dado que é pessoal e intransmissível: o mundo interno de cada um. Naturalmente, tal reconhecimento interior será facilitado quando aquilo que foi vivido na relação presencial, for sentido como uma boa experiência humana e que não tenha ficado, assim, muito aquém do desejo investido nessa relação. Por outro lado, as experiências relacionais que foram vividas com um sofrimento intenso e sem que se tenha acedido a uma compreensão suficiente que contenha essa dor psíquica, serão naturalmente mais difíceis de aceitar e integrar no mundo interno de cada pessoa.

Particularmente, no contexto psicoterapêutico, surgem, com muita frequência, pedidos de ajuda face a sentimentos de perda relacional, especialmente dolorosos, em que se experiencia a dificuldade de aceder, de uma forma minimamente harmoniosa, a conteúdos mentais e emocionais vividos e/ou sonhados no decurso dessas relações humanas. A relação terapêutica terá, assim, o propósito de contribuir para essa harmonização interior do paciente, mediante a sensibilidade e empatia necessárias oferecidas pelo psicoterapeuta Deste modo, a psicoterapia proporcionará as condições básicas a uma reflexão, cuidada e atenta, que possibilite um reencontro, mais consciente e sereno, do paciente com partes do seu mundo interno previamente sentidas como perdidas ou dolorosamente acedidas. Nessa (re)descoberta, aceitação e compreensão das suas dinâmicas relacionais internas, o paciente encontrará, progressivamente, mais recursos próprios para desejar e viver outras experiências na realidade quotidiana das suas relações presenciais.


Dr. Nuno Almeida e Sousa




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