O ser humano apresenta a particularidade de
sofrer com processos de luto: mudanças consistentes a nível relacional, as
quais podem ser vividas de forma mais ou menos dolorosa, dado o sentimento de
perda associado a essas experiências.
É importante clarificar que o luto não é um
processo de esquecimento ou um qualquer fenómeno de amnésia parcial ou total de
uma relação vivida; antes pelo contrário, um processo de luto bem desenvolvido
requer a consciência clara do que foi vivido e da forma como essa relação se
transformou, e continua a transformar-se, no mundo interno de cada pessoa.
Saliente-se que mesmo nos casos mais
dolorosos de processo de luto, quer seja por uma ruptura relacionalsignificativa, associada a uma escolha de um ou ambos os participantes dessa
relação, ou mesmo por motivo de falecimento de alguém especialmente relevante
para a pessoa enlutada, a relação, em si, não será eliminada, mas sim sujeita à
transformação que a nova dinâmica relacional solicita: a relação externa,
presencial, já não estará a ser vivida, pelo menos da mesma forma, mas
continuará a desenvolver-se no mundo interno, não só face ao que se sente e
pensa sobre as memórias vividas, mas também sobre o que se vai vivendo já sem
essa relação presencial.
Por conseguinte, todas as relações estão
sujeitas a um processo de luto: de experiências externas, temporalmente
limitadas, para realidades internas em desenvolvimento ao longo de todo o
percurso de vida de cada pessoa.
A ausência de alguém que se ama pode doer
muito até que se reconheça, suficientemente, que essa relação continua a viver
num espaço-tempo totalmente seguro e acessível, dado que é pessoal e
intransmissível: o mundo interno de cada um. Naturalmente, tal reconhecimento
interior será facilitado quando aquilo que foi vivido na relação presencial,
for sentido como uma boa experiência humana e que não tenha ficado, assim,
muito aquém do desejo investido nessa relação. Por outro lado, as experiências relacionais
que foram vividas com um sofrimento intenso e sem que se tenha acedido a uma
compreensão suficiente que contenha essa dor psíquica, serão naturalmente mais
difíceis de aceitar e integrar no mundo interno de cada pessoa.
Particularmente, no contexto
psicoterapêutico, surgem, com muita frequência, pedidos de ajuda face a
sentimentos de perda relacional, especialmente dolorosos, em que se experiencia
a dificuldade de aceder, de uma forma minimamente harmoniosa, a conteúdos
mentais e emocionais vividos e/ou sonhados no decurso dessas relações humanas. A
relação terapêutica terá, assim, o propósito de contribuir para essa
harmonização interior do paciente, mediante a sensibilidade e empatia
necessárias oferecidas pelo psicoterapeuta Deste modo, a psicoterapia
proporcionará as condições básicas a uma reflexão, cuidada e atenta, que
possibilite um reencontro, mais consciente e sereno, do paciente com partes do
seu mundo interno previamente sentidas como perdidas ou dolorosamente acedidas.
Nessa (re)descoberta, aceitação e compreensão das suas dinâmicas relacionais
internas, o paciente encontrará, progressivamente, mais recursos próprios para desejar
e viver outras experiências na realidade quotidiana das suas relações
presenciais.
Dr. Nuno Almeida e Sousa
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