02 de Outubro
Sinto-me ridícula: estou seguramente há longos minutos a
olhar para esta folha em branco, onde espero ser capaz de escrever sobre mim.
Qualquer coisa, Madalena. Qualquer coisa que possa dar nome ao que sinto ou ao
que julgo não sentir. Mas enquanto a olho, num misto de intimidação e desejo,
num misto de querer e não querer, sinto-me assoberbada por aquela irritação que
se tem instalado em mim e que me empurra a toda a força para desistir. (Para a
destruir!!)
Sim, desistir de escrever folhas em branco e, em vez disso,
amarrota-las, riscá-las, cortá-las. Sei lá, tudo que lhes tire esse lado
imaculado e cheio de leveza com que me irritam solenemente no aqui e agora
deste momento, por em tudo isso contrastarem com a forma como me sinto. Porque
EU não estou imaculada, ajeitada, organizada e leve como estas folhas,
entenderam? E escrevê-las assim é como sujá-las, conspurcá-las de coisas que
não sei se quero reconhecer em mim.
E logo hoje, que é dia de terapia… E hesito mais uma vez,
se quero ou não quero ir. Logo hoje que, depois da última sessão, sinto uma
embrulhada no estômago, na cabeça, no coração. Uma embrulhada de coisas que
saltaram para aquele espaço na última sessão, como se me tivessem dado um soco
na barriga e dali me tivesse saltado tudo o que tenho cá dentro. Mas agora, há
distância, assusto-me com tanta coisa que saiu de dentro mim! Das minhas entranhas!
O que é isto? Quem sou eu, afinal?
Diz o meu marido, certamente para melhorar as coisas, “Não
te reconheço, pareces descontrolada!”. E fico furiosa, mas furiosa como nem sei
pôr em palavras, revolvida com estas acusações a que só me apetece dizer-lhe
“MAS QUEM É QUE TU PENSAS QUE ÉS?!”. E digo-lhe, mas fico-me por ali para não
lhe dizer tantas outras, ai tantas outras que gostava de lhe dizer! … Mas,
entretanto, é hora da sessão.
- Bom dia, Madalena!
E… BOOM! Disse as todas, mas mesmo todinhas que andavam
aqui entaladas, disse tudo o que tenho sentido e o que ele me tem feito sentir,
disse sem jeito, sem nexo, entre choro e dor, mas disse e dei nome a este lado
que está tão zangado com o meu marido, como me devolvia a terapeuta. Porque
está e talvez assim ande há algum tempo, com este marido que me faz sentir uma
bengala de apoio e, curioso: “Logo agora que o seu marido foi promovido, esta
zanga parece estar a ganhar palavra dentro de si.” E sim, é verdade, este
progresso de carreira dele deixou-me sem chão, mas isso… “Terá que ficar para a
próxima sessão”.
Saio, entre lágrimas enxutas, entranhas revolvidas, mas um
pouco mais leve, como as folhas.
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