quarta-feira, 6 de setembro de 2017

O Marlon Brandoa era grande e comeu mais gajas do que eu comi almoços...







O Marlon Brandoa quase teve de ser raspado do chão depois de mais um esbardalhanço violento de motorizada que o deixou feito em pandarecos e a comer pudins porque nem o corta-palha se safou. Não temi por ele. Fui visitar o Marlon ao hospital dos ossos, trocámos saudades e ele agradeceu-me o maço com tabaco que depois misturava com uma resina ilegal porque um homem precisa de rir e sair para intervalo deste jogo da porra com a realidade.

O Marlon tinha rosto trigueiro, era tão alto que até matava pássaros à cabeçada. Afivelava um sorriso refastelado depois de ter tirado a virtude a mais uma e costumava passar pela maralha no ronco da sua mota, sem carolo e a encolher à medida que a distância o engolia. O Marlon não era bem da Brandoa, mas tinha aquele franzir de testa à ator que se cagava das maiores alturas para o que vinha a seguir quando dava ao kick, puxava da manete e, a duas baforadas (a do cigarro e a do escape), arrancava para mais uma parte que era só dele. Tinha um índio comanche tatuado no braço direito (uma inovação ao tempo) e cuspia para o chão com estilo e jactância. O Marlon só costumava parar o corcel para galar melhor o pername a esta e mais aquela e para tocar baixo nos “Chupa & Não Trinca”, uma estupenda banda proto-trunk (mistura de trash e punk). Um conjunto de garagem que teve o supremo azar de nunca sair da garagem. Às vezes o Marlon fazia a fineza de pôr o descanso também para me saudar e recordar os secundários tempos de escola em que fazíamos lavagem automática bocal com as bonecas no último banco do autocarro durante visitas de estudo. Baforávamos aquela resina ilegal e era giro. Isto, bem entendido, nos intervalos de mostrarmos o cu aos condutores de trás. Ríamos ao recontar isto e ele seguia viagem. O Marlon comeu mais gajas do que eu comi almoços. Fizemos refeições juntos por colchões só divididos por uma cortina numa casa manhosa de praia ali para a Fonte da Telha. Ele ficava com o lombo, eu com os restos. Nem os regulares espetanços motorizados o impediram de rebentar quarteirões. Eram muitos os jeans humedecidos pelo frisson de Marlon. Ele continuou a cair de mota e num par de vezes levou-me com ele para intimidades com o solo.

Há um tempo, soube que esta criatura do asfalto da minha adolescência tinha-se mudado para o outro lado do rio e dera a maior das quedas, só que a falhar o chão. Que se amancebara e era homem de uma vagina só. Ganhava o seu bago a organizar eventos e deixou a mota à ferrugem. Até pôs um filho neste vale de lágrimas. Fui ver se era verdade. É.
Agora trago o Marlon às festas da escola. Bebemos umas e outras e acabamos a reconhecer que já não fumamos trabucos nem mostramos o cu às pessoas.
Há menos tempo, fui à minha rua, que era a um arremesso de pedra da do Marlon. Perscrutei um par de namorados borbulhosos a trocar saliva com fragor. Havia uma mota estacionada por perto. Fiquei tristemente feliz pelo rapazola que dava os primeiros amassos.

Nelas e no chão, um gajo só sabe o que é peixe agulha quando cai.

FILIPE ALEXANDRE DIAS
Jornalista

O Canto da Psicologia





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