quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O Que Precisa nas Suas relações? 8 Necessidades Relacionais e o Papel da Psicoterapia







O ser humano é um ser biopsicossocial, integra-se numa multidimensionalidade fascinante que torna várias vezes complexa e desafiante a sua compreensão. Será contudo consensual pensar numa espécie de unidade funcional omnipresente nestas várias dimensões - a unidade relacional.

A relação com os outros é um processo inato ao ser humano e, não obstante de que esta se desenvolva de forma instintiva, nem sempre somos capazes de entender as suas particularidades, o que se está a passar a um nível mais microscópico, mais profundo dentro de cada relação. Sendo o tecido relacional o mais suscetível de criar sofrimento psicológico ao Homem, o papel da psicoterapia é aqui muitas vezes necessário para diagnosticar, tornar legendado o que está a acontecer de desarmónico dentro de cada “célula” relacional, dentro de cada relação. O psicólogo assume pois um papel de tradutor de significados por vezes ocultos, inconscientes, das várias movimentações existentes dentro das relações trazidas ao “laboratório” que é o espaço e o tempo da consulta psicológica.

Uma das premissas principais da psicoterapia é que a necessidade de estarmos em relação constitui uma experiência motivadora primária do comportamento humano, e que o contato relacional com sintonia afetiva é o meio pelo qual esta necessidade é satisfeita (Erskine & Trautmann, 1996). O contato refere-se à qualidade das transações entre duas pessoas: a consciência tanto do próprio, quanto a do outro, um encontro sensível com o outro, e um reconhecimento autêntico de si mesmo (Erskine & Trautmann, 1996). O contato ocorre interna e externamente através de sensações, sentimentos, necessidades, atividade sensoriomotora, pensamentos e memórias que ocorrem dentro do indivíduo e que são registados por cada um dos órgãos sensoriais (Erskine & Trautmann, 1996). Por outro lado, quando o contato de sintonia relacional é interrompido, falho, negligente, as necessidades não são satisfeitas. Se a experiência da necessidade relacional emergente não é satisfeita, o sujeito irá procurar um mecanismo artificial para retirar a atenção do desconforto resultante desta necessidade não satisfeita (Erskine & Trautmann, 1996) podendo comportar desarmonia psicológica.

Todos nós experienciamos necessidades relacionais que se manifestam nas relações com os nossos outros significativos. De facto, nenhuma relação seria possível na ausência destas necessidades relacionais: se não preciso nem quero nada de ti, nem tu de mim, então, simplesmente, não iremos estabelecer uma relação!

Entenda-se que as necessidades relacionais são as necessidades próprias do contato interpessoal (Erskine & Trautmann, 1996). Não são as necessidades básicas da vida - como o alimento, ar ou temperatura apropriada - mas os elementos essenciais que ampliam a qualidade de vida e o sentido de si mesmo na relação. As necessidades relacionais são componentes de um desejo humano universal pela intimidade relacional (Erskine & Trautmann, 1996).

Frequentemente as nossas necessidades relacionais não estão ao alcance do nosso espetro de conhecimento consciente. Comunicam-se contudo, se não tivermos a capacidade de as tornar legíveis ao longo do nosso percurso de desenvolvimento, através de uma espécie de vazio, muitas vezes através de uma angústia sem nome que pode levar-nos à reatividade, à expressão de frustração e agressividade na relação connosco, com os outros e com o mundo. Sentirmo-nos amados depende pois, de certa forma, da satisfação destas necessidades relacionais. Quando tal não acontece, é frequente termos dificuldades em estarmos bem, avançar nos nossos projetos de vida e desenvolver o nosso potencial humano. A carência destas necessidades pode pois expressar-se, explanando de forma mais concreta, através do nosso corpo (tensão, somatizações, etc.), dos nossos comportamentos (dependências, isolamento, fobias), através dos nossos pensamentos (obsessões, confusão, etc.) ou de forma emocional (ansiedade, irritabilidade, tristeza).
Solicitamos também muitas vezes, de forma inconsciente, que o outro satisfaça estas necessidades. Se elas não forem satisfeitas, ficamos muitas vezes com a sensação de que a relação não é satisfatória (“Ela/ele não está para mim”; “Ele/ela não gosta de mim”; etc.) e experimentamos frustração. Necessidades passadas não satisfeitas (por exemplo da infância) podem reencenar-se no presente continuamente.
As relações saudáveis são relações que promovem o crescimento, tanto o meu como o do outro. A falta e a falha de uma relação humana satisfatória, sintónica às necessidades relacionais, pode frequentemente ter mais impacto negativo no ser humano que o trauma agudo (episódio traumático). Uma relação saudável é pois aquela em que são reconhecidas as necessidades relacionais e às quais se responde de forma apropriada, empática.
De maneira a termos a capacidade de as reconhecer em nós próprios, e também por forma a ser possível darmos uma resposta (mais) sintónica às necessidades relacionais dos outros, assinalamos uma das 8 necessidades relacionais mais importantes (as mais assinaladas na literatura da ciência psicológica):

1.Necessidade de sentir segurança: a experiência de ter e sentir proteção para as nossas vulnerabilidades físicas e emocionais. Significa ter a experiência de que as nossas várias necessidades e sentimentos são humanos, naturais e que podemos mostrar-nos vulneráveis e ser, apesar disso, aceites. A segurança é a sensação de simultaneamente estar vulnerável e em sintonia com outra pessoa. A resposta adequada é providenciar segurança física e afetiva na qual a vulnerabilidade do indivíduo é respeitada

2. Necessidade de sentir-se validado, confirmado e importante numa relação: a necessidade de que outra pessoa valide a importância e a função dos nossos vários processos experienciais, os nossos processos de afeto, de fantasia, de construção de significados e que as nossas emoções são por isso válidas. Validar não significa que estejamos de acordo com tudo o que a pessoa partilhar. Validar significa que compreendemos empaticamente a maneira de viver a experiência (de sofrimento) de cada pessoa e que estamos genuinamente interessados em conhecê-la sem julgá-la.

3. Necessidade de aceitação por outra pessoa estável, confiável e protetora: quando eramos crianças tínhamos a necessidade de admirar e confiar nas nossas figuras de referência: pais, professores, avós, etc.. Necessitamos muitas vezes, ainda em adultos, contar com outras pessoas significativas das quais obtemos proteção, estímulos e informação. É uma necessidade que se relaciona com uma certa procura de orientação por parte de alguém que admiramos e que, algumas vezes, idealizamos e de quem, também por por vezes, solicitamos uma espécie de “carimbo de validade/aprovação” (de que estamos a ir bem no nosso caminho).

4. Reciprocidade: a necessidade de ter uma experiência confirmada manifesta-se pelo desejo de estar na presença de alguém que é similar, que nos entende porque teve uma vivência parecida e cuja experiência partilhada serve como confirmação da experiência pessoal. É a procura de mutualidade, uma sensação de “é como eu!”. É a necessidade de ter alguém que aprecie e valorize a nossa experiência porque sabe, a nível experiencial, como é essa mesma experiência.

5. Ser eu próprio: é a necessidade de expressar a nossa própria singularidade identitária e de receber reconhecimento e aceitação desta expressão por parte do outro. É a comunicação da identidade através da expressão de preferências, interesses e ideias, sem humilhação ou rejeição.

6. Necessidade de ser visto (necessidade de impacto): refere-se a ter uma influência que afete o outro na forma desejada. A perceção de competência de uma pessoa numa relação surge da gestão das suas ações e da sua eficácia – atraindo a atenção e interesse do outro, influenciando no que pode ser de interesse para a outra pessoa e possibilitando mudanças no seu afeto e comportamento.

7. Necessidade de que o outro tome a iniciativa: refere-se ao ímpeto de fazer contacto interpessoal. É o contacto com o outro que reconhece e valida a importância do próprio na relação. É ter alguém que invista no contacto com o próprio (“Se ele/ela tomou a iniciativa, gosta de mim”).

8. Necessidade de expressar amor: expressa-se frequentemente através de uma gratidão silenciosa, agradecimento, dando afeto ou fazendo algo pela outra pessoa.
Fonte: Erskine & Trautmann (1996).

Por excelência, o espaço psicoterapêutico é um espaço onde, entre outros muitos processos, estas necessidades são devolvidas à consciência do paciente e onde, através de uma nova relação, saudável, provedora de nutrientes relacionais em carência e, por isso, sanígena e desenvolutiva, permitirá ao individuo transformar alguns outros aspetos relacionais menos saudáveis interiorizados, potenciando uma transferência ou transposição deste modelo relacional saudável para o seu quotidiano relacional. Compreende pouco a pouco o que falta e o que falhou na biografia. Fomenta-se uma resignificação e reconstrução. É uma espécie de cirurgia da interioridade psíquica. O sujeito passa, paulatinamente, a entender-se melhor e, por isso, a compreender melhor os outros. Faz as pazes com o passado. Desvitimiza-se. Projeta-se e implica-se na construção responsável do seu futuro. É mais presente. Pouco a pouco ama-se mais e, por isso, melhor ama e é amado. Transforma-se, cresce, melhor auto-regula as suas necessidades perante a sempre à espreita desarmonia inevitável da vida. É um processo de metamorfose.

Citando e terminando com António Coimbra de Matos (2017), “O enlace de um novo modelo de relação interpessoal – a nova relação – determina a retoma do desenvolvimento suspenso e, no seu percurso, a mudança relacional e identitária, tendo em resultado a cura imanente. Crescer novamente, crescer de novo, crescer como novidade – inovado; e não renovado; muito menos, repetido ou em continuidade. Crescer com novos hábitos, novo modo de regular as emoções próprias, nova maneira de se relacionar com as outras pessoas – mais direto e menos defensivo, mais autêntico e mais exigente da autenticidade nos outros, mais livre mas mais responsável, mais determinado mas mais reflexivo, mais ativo mas mais ponderado, mais crítico e mais criativo; mais generoso, mais corajoso e mais ousado; fazedor de novos e melhores mundos, que, se não ele, outros habitarão – porque só assim cumpre o seu destino, o de construtor do Universo de Cultura.”




Dr. André Viegas
O Canto da Psicologia 







Referências Bibliográficas:
- Erskine & Trautmann (1996): “Métodos de uma Psicoterapia Integrativa”, in Transactional Analysis Journal, Volume 26, Número 4, Outubro 1996, pp. 316-328.
- Matos, António Coimbra (2005). Transferência e nova relação na psicose. Psilogos – Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando da Fonseca, nº1, vol. 2, pp. 83-90.
- Matos, António Coimbra (2017): Crescer novamente. Prefácio. In Azevedo, Maria José (2017): Oficina do Psicanalista – Ensaios sobre a experiência psicanalítica.



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