quinta-feira, 21 de março de 2019

“Como se”, uma via de acesso ao mundo simbólico






Em psicoterapia recorre-se muitas vezes ao “como se...”, é uma expressão que abre caminho a olhar a fantasia, a imaginação, o simbólico, que facilita o acesso ao mundo interno.“Como se” ajuda a pensar, a elaborar o que é sentido, a trazer à consciência conteúdos mais ou menos inconscientes, tornando-os, dessa forma, manejáveis pelo aparelho pensante.

Utiliza-se sobretudo com adultos e adolescentes, uma vez que as crianças vivem constantemente nesse modo, encontram-se naquela idade mágica em que a linguagem “como se” é instantânea e automática, está implícita. As brincadeiras que transformam uma almofada num escudo, um utensílio de médico de brincar usado como pistola, as bruxas que não se vêem mas que integram o elenco de várias aventuras, que perseguem a criança mas cuja casa, co-construída entre objetos e imaginação da criança e psicoterapeuta, lhe oferece guarida e proteção... São inúmeros os exemplos de imagens e cenas criadas no jogo simbólico da criança que dão voz e forma a diversos sentimentos e conteúdos mentais desta. O movimento que se faz é o da ligação deste mundo simbólico ao mundo real, à própria criança e às suas vivências.

No adulto, ou ao aproximar-se dessa fase, o movimento é o oposto, habitualmente o raciocínio lógico é o grande aliado e a realidade concreta a maior referência, por isso faz-se a ligação desses dados aos conteúdos da realidade interna, trabalha-se a capacidade de imaginar e de simbolizar de forma a potenciar o encontro do próprio consigo mesmo, com aspetos mais profundos e menos conscientes que constituem a sua verdade, que traçam o alcance que as suas vivências tiveram em si e as marcas que lhe deixaram.

O “como se” cria imagens, como uma metáfora (também muitas vezes usada) que permite trazer ao olhar consciente uma informação que doutra forma estaria inacessível e inominável. São estas imagens, partilhadas entre paciente e psicoterapeuta, exploradas e pensadas em conjunto, que permitem dar nome ao que se sente (e muitas vezes se recusa por se julgar disparatado ou sem sentido)  e que conduzem ao conhecimento e compreensão de si próprio.

Daqui se entende o papel fundamental das ligações entre mundo real e mundo simbólico, entre realidade externa e interna, entre acontecimentos e sentir(es) no trabalho psicoterapêutico. E pensar “como se” é uma ferramenta imprescindível neste trabalho.



Drª Filipa Rosário




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