quinta-feira, 4 de junho de 2020

Nós e os outros...






No passado dia 25 de Maio, em Mineápolis, E.U.A., George Floyd, um homem negro foi asfixiado até à morte por um polícia branco de Mineápolis, que durante 8 minutos e 46 segundos se manteve ajoelhado sobre o pescoço e costas de George, em pose descontraída e mãos nos bolsos enquanto este suplicava “por favor, não consigo respirar”. O agente que asfixiou George não agiu sozinho – dois outros agentes ajudaram-no a imobilizar George, enquanto um terceiro agente se passeava, descontraidamente, à volta da cena. George era suspeito de ter usado uma nota falsa de vinte dólares para efectuar um pagamento numa loja.

Em Portugal, no ano de 1995,Alcindo Monteiro, foi agredido até à morte por um grupo de skinheads no Bairro Alto, em Lisboa. Em 2001, António Pereira, de 25 anos, membro do Centro Cultural Africano de Setúbal foi morto por disparos pela PSP no bairro da Bela Vista, quando tentava intervir numa luta. Em 2007, dois agentes da PSP da área do Porto espancaram o cidadão de etnia cigana Paulo Espanhol e foram condenados, em 2011, a 20 meses de pena suspensa. Em 2012 Igor, um jovem de etnia cigana foi baleado em Beja por um agente da PSP quando se deslocou a uma quinta para pedir trabalho na apanha da azeitona. Em 2015, jovens negros da Cova da Mora, foram detidos e acusados de terem invadido a esquadra da polícia de Alfragide. Após terem sido libertados, contarão ter sido torturados e vítimas de racismo, tendo em 2017 o Ministério Público dado origem ao julgamento de 17 agentes da polícia. Em Fevereiro de 2020, Moussa Marega, jogador do FCP abandonou o campo durante um jogo da I Liga frente à equipa do Vitória de Guimarães, quando os sons racistas de imitações de macacos que vinham das bancados do estádio se tornaram insuportáveis.

É impossível não pensar em George Floyd nos dias que correm. E por mais doloroso que seja, ainda bem. Mas é também importante não esquecer outras pessoas, outras situações. Tentei recordá-las em cima, consciente da existência de muitíssimas mais. E depois há outra coisa: às vezes, quando ouvimos e lemos sobre pessoas que não conhecemos, pode acontecer, depois do choque inicial dos primeiros dias, um certo desligamento. Na tentativa de que tal não me aconteça, trago dentro de mim a Mariana, uma menina que frequentava há dois anos atrás o 4º ano, numa escola onde trabalhei. A Mariana tinha nacionalidade portuguesa, mas tez negra. Foi encaminhada pela professora de educação especial para avaliação em psicologia, porque tinha muitas dificuldades de aprendizagem.
Um dia, a professora da Mariana, quando me encontrou no intervalo das aulas, perguntou-me se já tinha novidades em relação aos resultados da avaliação. Devolvi que ainda se encontrava em curso. A Professora da Mariana advertiu:

- “Pois…deve ser fraquinha…sabes como é, vive naqueles bairros sociais, a mãe não quer muito saber…tem a ver com a cultura e a raça deles…e tu vês, que para chegarem a cargos altos têm que estudar nos melhores colégios, terem muitas ajudas …nos EUA, por exemplo, para chegarem a presidentes”.

- “Eu não sei Sra. Professora, como diz que é?”

- “ É assim Catarina, como te digo. E olha que eu não sou racista, mas é assim”.

Não, Sra. Professora não é assim. Nem cá nem lá, nos EUA. Nós estamos muito mais atentos a si e à Mariana mas, sobretudo, mais atentos ao que se passa dentro de nós. Às partes destrutivas e mais primitivas que todos nós humanos, sem excepção, carregamos dentro. Quando nos permitimos olhar e pensar sobre elas, permitimos que possam, também em conjunto, ser elaboradas. O racismo também lá está, nessa toca das partes destrutivas que carregamos. Se pensarmos uns com os outros, se não tivermos receio de lá chegarmos juntos, talvez essas partes incompreensíveis e destrutivas que carregamos dentro, possam ser elaboradas e transformadas noutra coisa. Melhor. Para garantir que não atuam contra a Mariana. É urgente garantir isso.

Repito: Não, não é assim, Sra. Professora.





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