quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Nem só de amor vive o amor…







Ao pensar em alguma história que caracterize, de forma mais pura e clara, uma relação romântica, é provável que muitas pessoas se lembrem de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare. Alguns elementos dessa peça de teatro, mesmo que distorcidos, trespassaram o espaço e o tempo, tornando-se universais, porque reconhecidos em praticamente qualquer lugar do Mundo. Na realidade, numa conversação quotidiana não será invulgar que sejam atribuídas essas personagens a uma determinada e factual relação amorosa.

Talvez um dos factores mais relevantes que tenham contribuído para a universalidade dessa narrativa, é a tragédia associada ao amor. É algo irrefutável que tudo na vida humana terá um fim e, nessa medida, mesmo uma relação romântica, por mais intensa e bela que seja, não atingirá a dimensão do «felizes para sempre» e mesmo a promessa de amar «até que a morte nos separe», sofrerá, invariavelmente, algumas vicissitudes ou desafios antes de tal fim definitivo.

Poder-se-á até dizer que Romeu e Julieta morreram de amor, revelando que a intensidade desmesurada desse sentimento poderá ser fatal. Nesse furor emocional, a razão ficou cega para poder analisar a realidade - é bom lembrar que a morte prematura de ambos foi suscitada por um mal-entendido, sem ter havido paciência e, por isso, tempo suficiente para poder ser descortinado.

A relação de Romeu e Julieta foi de um amor instantaneamente feito e construído à primeira vista e, deste modo, sem possibilidade real de desenvolvimento. Assim, essas personagens estavam muito distantes da vivência de um amor suficientemente lúcido e paciente, de modo a poderem superar as grandes dificuldades com as quais se deparavam – as suas famílias eram inimigas. Mas continua a ser maravilhosa essa história, até porque é muito sedutora a ideia de ser amado logo à partida. Naturalmente, tal tende a suscitar no ser humano a ressonância de deslumbramento do amor materno/paterno ao verem pela primeira vez o seu bebé recém-nascido. Se esta experiência precoce é potencialmente construtiva para uma longa e saudável relação pais-filhos, nas relações românticas juvenis e adultas poderá levar a histórias que não ultrapassem uma segunda ou terceira vista, tal foi a intensidade vivida no primeiro olhar, sendo este, naturalmente, revelador de um desejo amoroso fugaz em vez da responsabilidade de manter uma atitude parental cuidadora.   

Por conseguinte, é natural que muitas pessoas recorram à psicoterapia para reflectirem sobre os relacionamentos amorosos, revelando um propósito, mais ou menos declarado, de que os romances das suas vidas não venham a sofrer finais trágicos e prematuros. Para que assim seja, nessas relações terá que ser constatado, invariavelmente, que nem só de amor vive o amor, ou seja, que haverão, inevitavelmente, momentos, mais ou menos prolongados, em que surgem outros sentimentos e é importante que possam ser expressos e aceites com tolerância e paciência. É um facto indesmentível que as pessoas nem sempre mostram uma atitude amorosa; por vezes, manifestam zanga, ciúme, aborrecimento, entre várias outras formas de estar na relação romântica.

Provavelmente, o mais importante é que esses projectos de intimidade sejam evidentes e percebidos como co-construídos, ou seja, que cada pessoa sinta que tem um papel relevante e suficientemente bem definido na relação, baseando-se no amor que os une, mas sabendo também que existirão inevitáveis divergências e obstáculos a ultrapassar. Será ainda bom não esquecer que surgirão mal-entendidos, os quais precisam de tempo suficiente para serem esclarecidos, tal como Shakespeare nos elucidou. Que assim seja, para que possa ser prolongada a história de amor de cada “Romeu” e “Julieta”…



Dr. Nuno Almeida e Sousa 
Psicólogo Clínico
O Canto da Psicologia




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