O Marlon Brandoa quase teve de
ser raspado do chão depois de mais um esbardalhanço violento de motorizada que
o deixou feito em pandarecos e a comer pudins porque nem o corta-palha se
safou. Não temi por ele. Fui visitar o Marlon ao hospital dos ossos, trocámos
saudades e ele agradeceu-me o maço com tabaco que depois misturava com uma
resina ilegal porque um homem precisa de rir e sair para intervalo deste jogo
da porra com a realidade.
O Marlon tinha rosto
trigueiro, era tão alto que até matava pássaros à cabeçada. Afivelava um
sorriso refastelado depois de ter tirado a virtude a mais uma e costumava
passar pela maralha no ronco da sua mota, sem carolo e a encolher à medida que
a distância o engolia. O Marlon não era bem da Brandoa, mas tinha aquele franzir
de testa à ator que se cagava das maiores alturas para o que vinha a seguir
quando dava ao kick, puxava da manete e, a duas baforadas (a do cigarro e a do
escape), arrancava para mais uma parte que era só dele. Tinha um índio comanche
tatuado no braço direito (uma inovação ao tempo) e cuspia para o chão com
estilo e jactância. O Marlon só costumava parar o corcel para galar melhor o
pername a esta e mais aquela e para tocar baixo nos “Chupa & Não Trinca”,
uma estupenda banda proto-trunk (mistura de trash e punk). Um conjunto de
garagem que teve o supremo azar de nunca sair da garagem. Às vezes o Marlon
fazia a fineza de pôr o descanso também para me saudar e recordar os
secundários tempos de escola em que fazíamos lavagem automática bocal com as
bonecas no último banco do autocarro durante visitas de estudo. Baforávamos
aquela resina ilegal e era giro. Isto, bem entendido, nos intervalos de
mostrarmos o cu aos condutores de trás. Ríamos ao recontar isto e ele seguia
viagem. O Marlon comeu mais gajas do que eu comi almoços. Fizemos refeições
juntos por colchões só divididos por uma cortina numa casa manhosa de praia ali
para a Fonte da Telha. Ele ficava com o lombo, eu com os restos. Nem os
regulares espetanços motorizados o impediram de rebentar quarteirões. Eram
muitos os jeans humedecidos pelo frisson de Marlon. Ele continuou a cair de
mota e num par de vezes levou-me com ele para intimidades com o solo.
Há um tempo, soube que esta
criatura do asfalto da minha adolescência tinha-se mudado para o outro lado do rio e
dera a maior das quedas, só que a falhar o chão. Que se amancebara e era homem
de uma vagina só. Ganhava o seu bago a organizar eventos e deixou a mota à
ferrugem. Até pôs um filho neste vale de lágrimas. Fui ver se era verdade. É.
Agora trago o Marlon às festas
da escola. Bebemos umas e outras e acabamos a reconhecer que já não fumamos
trabucos nem mostramos o cu às pessoas.
Há menos tempo, fui à minha
rua, que era a um arremesso de pedra da do Marlon. Perscrutei um par de
namorados borbulhosos a trocar saliva com fragor. Havia uma mota estacionada
por perto. Fiquei tristemente feliz pelo rapazola que dava os primeiros
amassos.
Nelas e no chão, um gajo só
sabe o que é peixe agulha quando cai.
FILIPE ALEXANDRE DIAS
Jornalista
O Canto da Psicologia
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