“Estou tão zangada
hoje, mas isto fica tudo cá dentro de mim… Depois, há um momento em que não
aguento mais, parece que vou explodir, que tenho de fazer alguma coisa. E é por
isso que me corto ou que tenho ataques de pânico. É como se isso me libertasse.
Esta zanga fica toda para mim, se me quisesse zangar contigo, simplesmente não
conseguia, não sabia como… não quero magoar os outros ou sentir que posso ser
injusta…"
Adolescente, 14 anos
As primeiras interações do bebé
surgem com os pais e é neste plano que se cria um espaço onde podem começar a
existir as primeiras relações. É na relação com os pais e com os outros mais
significativos que a criança apreende e aprende como é o mundo à sua volta. É
no ambiente familiar, neste espaço externo acolhedor, contentor e securizante,
(física e psiquicamente) que a criança aprende a organizar-se internamente e a
regular-se emocionalmente. É neste espaço (cá de fora) que a criança começa a
fabricar todas as coisas que podem existir dentro dela.
Através
das constantes interações entre pais e filhos vão-se criando as histórias dos
afetos para a criança. Estas histórias, carregadas de fantasia, de príncipes e
princesas, de monstros e dragões, de espadas e pistolas, de bons e de maus, e ,
acima de tudo, repletas de coisas secretas, que tantas vezes são confusas,
levantam ansiedades e dificuldades para a criança e para os pais.
Enquanto
adultos, a maioria das vezes, conseguirmos reconhecer o que vemos e o que
sentimos e conseguimos elaborar a forma como nos expressamos. Enquanto
crianças, este pensar sobre as coisas é facilitado, desenvolvido e aprendido
através das relações com os pais. Acontece, muitas vezes, que a criança, não
conseguindo perceber o que sente e não sabendo ainda muito bem o que pensar ou
como pensar, age. Esta ação é a forma da criança descarregar todas estas coisas
que acontecem dentro dela e que ainda não consegue perceber muito bem.
Ouvimos,
muitas vezes, histórias de crianças que mordem na escola, que batem, que
empurram. Histórias de crianças protocoladas como “agressivas”. Muito poucas
vezes ouvimos falar da criança bem-comportada, com boas notas e que é muito
amiga do seu amigo, mas que às vezes fica um pouco agitada, meio que sem
sentido. A agressividade que vem para fora assusta-nos, a que fica cá dentro
aquieta-nos.
É quase como se a agressividade (a vivida e
visível e a vivida, mas invisível) fosse o monstro ou o dragão que nos vem
perseguir e destruir. Mas não temos em todas as histórias um monstro ou um
dragão? Apesar deste monstro ou dragão
não ter que ser necessariamente
mau, é assustador. É assustador,
essencialmente, porque não sabemos falar a língua dele. É mais ou menos isto
que acontece nestes relatos de agressividade: enquanto pais e educadores,
assustamo-nos com estes comportamentos ditos “agressivos” e damos-lhes uma
conotação disfuncional. Contudo, na
maioria das vezes, estes comportamentos são bastante saudáveis, pois são a
forma que a criança tem de nos mostrar que há
algo a acontecer dentro dela, alguma coisa que não está a saber muito
bem o que é nem como pensar nela,
expressá-la ou até mesmo como calá-la. Então, descarrega-a através do
comportamento.
É
importante podermos, enquanto adultos, conter, ajudar a elaborar, explicar,
aceitar, cuidar e conversar sobre as histórias do mundo interno da criança,
sendo personagens ativas nestes mundos de fantasia, que ajudam a criança a
organizá-los e a aprender a expressá-los (mesmo quando as coisas estão caóticas
ou desorganizadas).
Drª Inês Lamares
O Canto da Psicologia
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