segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Still got the blues...






Os benefícios do treino musical para o desenvolvimento cerebral.


Considerada como uma das mais antigas formas de arte e expressão, a Música tem acompanhado a evolução da Humanidade desde os seus primórdios, e já na Grécia Antiga a aprendizagem musical era encarada como um dos pilares fundamentais do sistema de educação e do desenvolvimento humano. Atualmente, a neurociência é unânime em afirmar que o treino musical, especialmente quando feito em fases iniciais do desenvolvimento, traz inúmeros benefícios para outros domínios cognitivos, como a linguagem ou matemáticas, e diversos estudos apontam para diferenças funcionais e estruturais significativas entre os cérebros de músicos e não-músicos. Os músicos adquirem e praticam constantemente uma imensa variedade de complexas capacidades motoras, auditivas e multimodais, convertendo a notação musical visual em comandos motores, enquanto monitorizam simultaneamente o resultado musical e recebem feedback multissensorial. 

Num estudo publicado na revista Psychological Science, um grupo de crianças de 6 anos de idade, quando expostas a um ano de aulas de voz ou piano, revelaram um aumento significativo no seu QI comparativamente às do grupo de controlo que não receberam qualquer formação, sendo que o treino musical surtiu efeitos em virtualmente todos os sub-testes de medição do quociente de inteligência. Nos resultados iniciais de um estudo longitudinal de 5 anos, da co-autoria do neurocientista português António Damásio, publicados recentemente no jornal Developmental Cognitive Neuroscience, verifica-se que a instrução musical parece acelerar o desenvolvimento cerebral em crianças, nomeadamente em áreas cerebrais relacionadas com o processo auditivo. Como avançam os investigadores, este tipo de maturação pode favorecer o mais rápido e eficiente desenvolvimento de aptidões linguísticas, já que alguns dos processos neurológicos são partilhados pelas duas áreas. Uma outra equipa de investigadores demonstrou, num artigo publicado no Journal of Neuroscience, que adultos que receberam instrução musical em crianças têm respostas cerebrais mais robustas do que os que nunca tinham tido quaisquer aulas. Foi também provado que as alterações na anatomia e funcionamento do cérebro decorrentes do treino musical em criança persistem na fase adulta, mesmo depois de o treino ter cessado.

Não terá sido por acaso que a música tenha sido parte integrante e fundamental da vida de Albert Einstein, uma das mais brilhantes mentes da Humanidade. Tendo aprendido piano e violino com a sua mãe ainda bastante novo, rapidamente desenvolveu um grande interesse e aptidão pelo segundo instrumento. Para além de tocar em público frequentemente, Einstein usava a música e o violino quase como uma técnica de brainstorming enquanto desenvolvia as suas teorias. Uma recente análise realizada ao seu cérebro revela que uma das pistas para a sua inteligência sobre-humana poderá estar relacionada com o extraordinário desenvolvimento do seu corpo caloso, bem como a conexão invulgar entre os dois hemisférios, características inequivocamente associadas à aprendizagem musical em crianças. 

Hoje em dia, numa sociedade cada vez mais virada para as novas tecnologias, consumista e em busca da gratificação instantânea, onde proliferam apps e receitas para “resultados em 5 dias”, deixámos de ter tempo para aprender música. Para além disso, num plano global de crise financeira, sucessivos cortes orçamentais têm sido feitos pelos governos, deixando sempre a música (bem como outras formas de arte) em estado de asfixia pedagógica. Mas será este o caminho sensato a seguir? Será que a sociedade moderna, cada vez mais tecnocrata e formatada para um modelo uniformizado, irá pagar caro esta fatura? 



João Silva
- Mestre em Música pela Escola Superior de Música de Colónia;
-Trompetista e Professor de música e investigador no Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da       Universidade de Évora;
- A realizar o Doutoramento em Música e Musicologia na Universidade de Évora





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