quinta-feira, 28 de julho de 2016

Entre sofás e divãs...






Faltas, Interrupções e Términos

A psicologia, talvez por se tratar de um campo de conhecimento partilhado, induz ideias preconcebidas, frequentemente antagónicas; se por um lado vemos pessoas que ligam a psicologia às terapias alternativas e naturais, às psicologias positivas e de revista, aos livros de auto-ajuda, aos mágicos e videntes, às auras e energias, outros, não hesitam em associar a psicologia à medicina e aos seus modelos de diagnóstico e de terapia, equacionam o médico com o psicólogo, e assumem uma postura de passividade em relação à sua própria terapia; outros, ainda, vêem no psicólogo uma espécie de professor que tem por objectivo reeducar, ensinar, aconselhar e corrigir.

As falácias do mágico, do médico e do professor induzem no paciente uma noção distorcida da essência da psicologia, e cumprem o propósito de instrumentalização das suas resistências ao próprio processo terapêutico.
Referimos três falácias, mas poderíamos multiplicá-las infinitamente, enquanto múltiplas variações da imagem do psicólogo-pai/mãe, naquilo que designamos por transferência.

De um modo superficial, esta ideia do psicólogo-médico-vidente-professor, traduz-se na ideia de que o regime de frequência, o número de faltas, as interrupções, e o tempo da terapia não tem importância; quando na verdade é precisamente o oposto.

Tudo, na prática do psicólogo, da disposição dos sofás, à frequência semanal proposta, até a duração das consultas, cumpre um propósito. E esse propósito não é mais do que criar um laboratório esterilizado. Esta 'esterilização' depende da redução de variáveis parasitas ao mínimo, e sobretudo através da criação de invariáveis. O psicólogo não pode ser amigo, familiar ou conhecido do paciente, as consultas são sempre à mesma hora, têm sempre a mesma duração... Através da criação destas invariáveis o psicólogo poderá observar aquilo que realmente interessa. Não são os sintomas nem a doença, não é como correu a semana, nem tampouco o que paciente pensou de errado, mas sim o seu funcionamento mental. A qualidade das suas angústias, a natureza das suas defesas, a essência das suas relações, o desenlace da relação transferencial, a qualidade dos processos de pensamento...

Com atrasos, faltas, interrupções e términos prematuros o trabalho do psicólogo fica coartado. Estes percalços devem ser interpretados, comentados e reinscritos no contexto do desenvolvimento da terapia, no entanto, nem sempre é o suficiente. Superficialmente o paciente mantém a convicção de que a sua hora será substituída por outro paciente, pensará que os atrasos não têm importância, que, na dissolução do sintoma esconde-se a cura; e não é verdade!!

Há pouco tempo, no decorrer de uma consulta, um paciente, que já se encontrava em terapia há um ano, acabou por afirmar que se sentia melhor e que já sabia o que tinha de fazer para mudar. Conversámos sobre o seu percurso até aquele momento e sobre as fantasias que havia criado sobre o poder transformador da terapia, sobre a sua terapia anterior e sobre a possibilidade de terminar o processo. Quando abordámos este último tema disse algo muito curioso: 'não penso em deixar as consultas (...) há uns bons anos atrás dei um jeito a um braço... Fui ao médico, que me deu medicação para as dores, e comecei a fazer fisioterapia. Pouco depois senti-me melhor e decidi deixar a terapia. Ainda hoje sinto dores. Não volto a cometer o mesmo erro'.

 E continua por lá...


Dr. Fábio Mateus
O Canto da Psicologia







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