quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A saúde mental começa em bebé...






 Cada vez mais há registro de adultos que sofrem de doença mental, segundo dados recentes Portugal é o país da Europa com mais prevalência de doenças mentais na população com uma percentagem de 22,9% (dados do relatório de Saúde Mental 2018). Podemos identificar múltiplos motivos para estes resultados, desemprego, baixos salários, falta de condições e oportunidades, embora verdadeiros, existe uma razão que é fundamental (muitas vezes subestimada) que está relacionada com os primeiros anos de vida que são fulcrais na construção de identidade base do individuo. A forma como o adulto gere a sua ansiedade/depressão está estreitamente relacionado com a qualidade das relações precoces e do ambiente familiar mais ou menos disfuncional.
Estamos numa sociedade que ignora completamente a primeira infância, apesar das inúmeras e exaustivas investigações científicas que sublinham a importância, desta fase de desenvolvimento, para saúde quer física quer mental do futuro adulto. Sabemos que nos países ditos “mais desenvolvidos” no Norte da Europa os pais podem ter direito a 3 anos de baixa, de forma a poderem dar a atenção necessária e a qualidade relacional ao seu bebé. Contudo em Portugal a realidade é bem diferente pelo que as consequências têm vindo a notar-se, cada vez mais se medicam as crianças e se diagnosticam com atraso de desenvolvimento, hiperatividade e deficit de atenção.


À medida que a sociedade avança mais parece que se desumaniza, os bebés não têm direito a ficar bebés, as crianças têm de crescer rapidamente e, depois, transformam-se em adultos incompletos, com falhas no desenvolvimento psicoafectivo, de difícil acompanhamento psicoterapêutico. A prevenção é, assim, totalmente ignorada e consequentemente multiplicam-se as problemáticas na saúde mental. Segundo dados da OMS estima-se que em 2030 a Depressão seja a doença com mais incidência no mundo, esta doença mental tem vindo a aumentar.
Neste sentido porquê falar do desenvolvimento infantil? A infância é como a coluna vertebral da identidade do sujeito, a base da pirâmide psíquica. A qualidade das interações precoces com o bebé vão promover um sentido de pertença e de segurança, na criança, que irá se repercutir até a fase adulta.
 Mitos sobre o desenvolvimento dos bebés: “O bebé ou a criança não percebem nada do que se diz ou se faz... Apenas querem cuidados básicos desprovidos de afetos... O ambiente familiar não influencia os bebés, pois ainda não têm consciência” Estão completamente incorretos, os bebés são autênticas esponjas emocionais, detetam e sentem, na pele, todos os ambientes afetivos exteriores. Se a família for muito disfuncional e ansiosa, se os pais promoverem ambientes conflituosos, então os bebés irão sofrer tal como os pais.
Estudos revelam que o recém-nascido apresenta elevados graus de cortisol que consiste numa hormona responsável pelos níveis de reatividade ao stress ou ansiedade. Contudo, esta reatividade ao stress tende a diminuir ao longo do primeiro ano de vida, à medida que a relação precoce entre cuidador e bebé se regula, sendo que depende da contingência e sensibilidade das figuras parentais. Verificou-se correlação entre a falta de sensibilidade do cuidador aos sinais do bebé e a continuidade ou até mesmo um aumento dos níveis de cortisol ao longo da infância. Esta situação pode prolongar-se para a fase adulta (e sucessivas gerações) através da criação de padrões fixos de resposta ao stress que envolvem o funcionamento restrito e rígido de neuro transmissores e de glucocorticoides.
 Um clima emocional precoce de stress, repleto de emoções negativas, leva o bebé a não conseguir atingir um estado de equilíbrio homeostático (biológico e emocional), estando permanentemente receoso por não encontrar, na relação, alguma significação que permita acalmar este estado. A regulação hormonal do medo depende, essencialmente, da capacidade que os pais (ou outras figuras centrais) têm para estabelecer comunicações empáticas, de partilha de estados mentais e afetivos e, assim, conterem a ansiedade do bebé.
 As investigações verificaram que este tipo de relação empática leva as crianças a desenvolverem instrumentos de auto-regulação emocional, bem como, está associado a uma maior capacidade de aprendizagem e concentração.
O bebé exige muito dos pais, da sua atenção, precisa de se certificar que é amado e respeitado. Se assim for vai crescer com amor-próprio e confiante das suas capacidades. Todos os comportamentos, ações, e atribuições de carácter dos pais aos filhos vão ter consequências na construção de identidade dos bebés e posteriormente no futuro adulto. O bebé vai querer sempre se adequar às expectativas dos pais quer sejam positivas (conscientes) quer sejam negativas (inconscientes).
 Deste modo a melhor forma de diminuir a doença mental é prevenir a sua incidência através de ações de sensibilização e de informação correta sobre como promover um ambiente relacional e afetivo positivo, para que as nossas crianças possam crescer em paz e adquirir a aprendizagem da regulação da ansiedade. Afinal este é o melhor presente que os pais podem dar aos seus filhos, a inteligência emocional que promove a saúde mental e dá alento e entusiasmo pela vida.



Mafalda Leite Borges
Canto da Psicologia

Sem comentários:

Enviar um comentário