Numa semana em que os meios de comunicação nos assaltam com informação
sobre o grave estado de saúde de um ator português, aparentemente desencadeado
pela utilização de esteroides (testosterona), paramos para pensar de que se
trata quando falamos deste sintoma social, onde o corpo ocupa lugar.
Com efeito, a prática do culto ao corpo coloca-se, hoje, como uma
preocupação global, sendo transversal a todos os sectores, classes sociais e
faixas etárias. Sustentada na questão estética ou na preocupação com a saúde,
não será difícil constatar o quanto estamos rodeados por informação a este
respeito no nosso dia-a-dia. Trata-se, inequivocamente, de um traço
característico das sociedades contemporâneas.
O corpo representa um espaço
simbólico na construção dos modos de subjetividade da nossa época, funcionando
como uma espécie de instrumento que é, então, percebido como maleável,
reajustável, passível de reparo e adaptação e, por isso, condensando em si
mesmo os valores idealizados da sociedade ocidental.
As sociedades de consumo têm vindo
a contribuir para esta exaltação ao corpo, potenciando nos indivíduos a
convicção de que existe uma certa plasticidade que está no seu controlo, para a
qual estas mesmas sociedades vão fornecendo as condições técnicas necessárias -
dietas, cirurgias plásticas e tudo o que está ainda por inventar, num apelo
permanente a que homens e mulheres cultivem em si um ideal de beleza, juventude
e felicidade. O corpo configura-se quase como um detalhe biológico tecnicamente
controlável.
Mas, paradoxalmente, se por um lado existe uma busca
incessante para adquirir um corpo individualizado, por outro, o próprio sujeito
acaba por se diluir nas exigências sociais, fundindo-se nas exigências do grupo e perdendo, muitas vezes, a sua individualidade. Trata-se da busca por um ideal
inatingível, uma vez que as imagens veiculadas são de tal forma perfeitas que
parecem quase desumanizadas. Neste percurso, a avidez por cumprir esse ideal conduz
o indivíduo à permanente insatisfação, pela razão evidente de que se trata
sempre de um padrão inatingível, o que acaba por convergir em sentimentos de
grande frustração e impotência ou, no limite, a um agir descontrolado como
forma de perseguir esse ideal, dando lugar a situações de risco.
É neste sentido que nos parece que o corpo constitui um
terreno sólido no qual se materializam os valores da cultura contemporânea,
onde são projetados ideais inalcançáveis, o individualismo e o próprio narcisismo, como forma de responder à instabilidade, efemeridade e vazio que
marcam a vida social. São os tempos hipermodernos, onde prevalecem o
individualismo, o mercado, o progresso técnico-científico, que têm vindo a
amplicar-se com o hipercapitalismo, hiperdesempenho, hiperprogresso,
hiperviolência, hipercorpo.
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