quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A Espetacularização do Corpo na Contemporaneidade







Numa semana em que os meios de comunicação nos assaltam com informação sobre o grave estado de saúde de um ator português, aparentemente desencadeado pela utilização de esteroides (testosterona), paramos para pensar de que se trata quando falamos deste sintoma social, onde o corpo ocupa lugar.

Com efeito, a prática do culto ao corpo coloca-se, hoje, como uma preocupação global, sendo transversal a todos os sectores, classes sociais e faixas etárias. Sustentada na questão estética ou na preocupação com a saúde, não será difícil constatar o quanto estamos rodeados por informação a este respeito no nosso dia-a-dia. Trata-se, inequivocamente, de um traço característico das sociedades contemporâneas.

            O corpo representa um espaço simbólico na construção dos modos de subjetividade da nossa época, funcionando como uma espécie de instrumento que é, então, percebido como maleável, reajustável, passível de reparo e adaptação e, por isso, condensando em si mesmo os valores idealizados da sociedade ocidental.

            As sociedades de consumo têm vindo a contribuir para esta exaltação ao corpo, potenciando nos indivíduos a convicção de que existe uma certa plasticidade que está no seu controlo, para a qual estas mesmas sociedades vão fornecendo as condições técnicas necessárias - dietas, cirurgias plásticas e tudo o que está ainda por inventar, num apelo permanente a que homens e mulheres cultivem em si um ideal de beleza, juventude e felicidade. O corpo configura-se quase como um detalhe biológico tecnicamente controlável.

Mas, paradoxalmente, se por um lado existe uma busca incessante para adquirir um corpo individualizado, por outro, o próprio sujeito acaba por se diluir nas exigências sociais, fundindo-se nas exigências do grupo e perdendo, muitas vezes, a sua individualidade. Trata-se da busca por um ideal inatingível, uma vez que as imagens veiculadas são de tal forma perfeitas que parecem quase desumanizadas. Neste percurso, a avidez por cumprir esse ideal conduz o indivíduo à permanente insatisfação, pela razão evidente de que se trata sempre de um padrão inatingível, o que acaba por convergir em sentimentos de grande frustração e impotência ou, no limite, a um agir descontrolado como forma de perseguir esse ideal, dando lugar a situações de risco.   

É neste sentido que nos parece que o corpo constitui um terreno sólido no qual se materializam os valores da cultura contemporânea, onde são projetados ideais inalcançáveis, o individualismo e o próprio narcisismo, como forma de responder à instabilidade, efemeridade e vazio que marcam a vida social. São os tempos hipermodernos, onde prevalecem o individualismo, o mercado, o progresso técnico-científico, que têm vindo a amplicar-se com o hipercapitalismo, hiperdesempenho, hiperprogresso, hiperviolência, hipercorpo.












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