quinta-feira, 7 de maio de 2020

Sonhos adiados pelo vírus...





Passou pouco mais de um ano desde que Patrícia e Afonso ficaram noivos. O casal iniciou a sua relação há quinze anos, depois de uma viagem com amigos a vários países da América Latina durante o tão especial mês de Agosto.

Tantas histórias aconteceram desde então. Tantas estações passaram nas tantas viagens conjuntas! Tantos sonhos coabitados e tantos por coabitar!

Naquele dia frio do ano passado, o sol fazia questão de expressar-se e aconchegava Afonso que preparava-se, ansioso, para pedir Patrícia em casamento, algures numa montanha dos alpes suíços onde descansavam dos dias agitados da cidade. O momento foi complexamente bonito para poder ser descrito em palavras. Há coisas tão únicas que só a imaginação empática mais audaz consegue realizar. Iriam casar neste próximo sábado!

Viveram o último ano embalados pela antecipação imaginada do dia em que iriam celebrar a sua relação que, de tão “vivificante”, faziam questão de oficializar. Escolheram o dia, namoraram vários territórios para materializar esse momento. Escolheram um com vista para o mar! Reservaram também o fotógrafo e deram sinal para a lua-de-mel na Indonésia. A família e os amigos acompanhavam este trajeto com aquele afeto tão típico daqueles que são nossos. O vestido da Patrícia estava encomendado. Era difícil conter a curiosidade de Afonso. “Só no dia é que vais ver”, repetia Patrícia com tom de suspense. Afonso ia adiando com cautela esse momento. Dizia que precisava de “perder um pouco mais de barriga” para poder aventurar-se na escolha da sua vestimenta, que queria original.

E de repente, com estas “encomendas”, veio também a notícia de um vírus, aquele que inevitavelmente todos nós fomos obrigados a conhecer!

Depois da chegada do vírus, Patrícia e Afonso passaram por várias fases. Primeiro, protegeram-se emocionalmente, tentando várias vezes, sem sucesso, diluir a angústia através da recusa da frustrante realidade. Muito mais tarde, não tiveram outra alternativa que não a aceitação de que teriam que adiar o seu casamento. Nos intervalos, foram travando o sonho desta concretização no dia escolhido, ainda que tivessem vontade de acelerá-lo.

Sentiam-se sobretudo zangados, traídos pelo maldito vírus. Sentiam-se tristes muito também por não se sentirem compreendidos e validados. Foram muitas as vezes que ouviram: “Não casam este ano, casam no próximo.” Que remédio! Claro que terão de casar num outro momento, num outro sábado ou domingo do próximo ano. Tal adiamento não fará com que esse dia seja menos importante, ainda que custe.

Alguns dias das nossas vidas são de tal forma marcantes, por constituírem-se como pontos simbólicos cruciais na nossa jornada de crescimento e transformação, que o seu adiamento é vivido inevitavelmente com pesar. Nenhum “trava sonhos” é imediatamente vivido sem frustração. Tudo o que obriga à paragem repentina do acontecer humano implica diversas equações psíquicas complexas. Nenhum atraso indefinido de voo é aplaudido pelos seus passageiros.

As expectativas que construímos no esboçar da (nossa) vida sofrem, não raras vezes, golpes rudes da realidade que precisam de ser gradualmente integradas para poderem ser aceites, não só cognitivamente mas também emocionalmente. O “casamento” cognitivo-emocional é moroso e é preciso respeitar essa cronologia. É durante esse tempo controverso que ganhamos espaço interno para voltar a elaborar, transformar, crescer e (re)criar as novas datas importantes das nossas vidas. Porque não há vírus que mate o amor! “O que nos separa não destrói o que nos une”.

A Patrícia e o Afonso vão casar no próximo ano.
Contagiarão muitos corações.
Boa sorte!


Dr. André Viegas
O Canto da Psicologia - Setúbal


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