quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

De Mariazinha a Maria, pelas oliveiras...








Mariazinha pegou na boneca, saiu para a rua, espantou a criação que esvoaçou baixo e sentou-se na eira, de costas para a casa amarela que já tinha sido a mais bonita do Tojal, mas estava caiada por choro e gemidos. Fitou as oliveiras do casal. As coisas eram como eram e sem remissão.  

Tinha rezado as duas preces de que mais gostava a cada despertar:

"Obrigado Bom Jesus pelo vosso grande amor,
Perdoai o mal que fiz, ajudai-me a ser melhor"
"Anjos da guarda, minha doce companhia,
Guardai a minha alma de noite e de dia"

Procurou respostas nas rugas dos senhores e senhoras pesarosos que faziam os degraus ranger ao subirem ao quarto e depois desciam a condoerem-se.

- "Sabe o que hei-de prometer para a minha mãe não morrer?..."

Ouvia suspiros, recebia afagos e o único sorriso que via estava cosido a linha vermelha no trapo da boneca. 

A gata Zequinha apareceu-lhe num supetão suave, ronronou-lhe e foi-se na sua felina indiferença. As folhas das oliveiras não se moviam ao sabor daquele junho de canícula precoce e Mariazinha pensava em tudo o que cabia nos seus nove anos. Tirou um figo do bolso da batinha da escola, mordiscou-o e passou a madeixa do cabelo por cima da orelha esquerda. Usava óculos. Tinha olhos verdes refulgentes e não dizia muito.   

Nessa tarde, Mariazinha conheceu o depois por ter tanta angústia à espera. Levantou-se, saracoteou-se e foi tirar pedaços do tronco da oliveira que quebrava indolente. 
Ninguém a chamou quando o dia caiu para o arrebol de cor fogueada, mas voltou para casa. Já não tinha mãe. 

Mariazinha fez-se Maria na solidão e noutras tardes menos meninas a olhar para as oliveiras.
Maria seria mãe. Muito boa mãe. Foi. Ainda é.

Mas as oliveiras ainda lá estão e a tristeza de Mariazinha também. A Maria nunca falou da mágoa. 

De Mariazinha a Maria, ela nunca foi de dizer muito.


Filipe Alexandre Dias
Jornalista



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