sexta-feira, 5 de maio de 2017

O Patinho feio...







Não me destacava por finas feições caucasianas, por olhos diferentes dos típicos castanhos, nem tão pouco do cabelo da mesma cor. Era comum e de estatura e peso mais baixo que as restantes da minha idade. 
Ser assim até aos 11, 12 anos não me incomodou. Para ser sincera, não me achava diferente, nem me faziam sentir diferente, talvez porque nem sequer pensava nisso. 
No meio do meu grupo de amiguinhos da escola e fora dela, ninguém ligava se eu era mais pequenina e magrinha que os outros. Existia e gostavam de mim por outras coisas, pelas brincadeiras inventadas que todos pediam sempre, pela forma vivaz com que me dedicava às pessoas e às situações.  

No meio dos meus, porém, desde cedo me habituei a ouvir “trinca-espinhas”, magricela, e outras coisas fofinhas. A verdade é que eu era magra. Não dava como negar. Mas se na infância a magreza não foi constrangedora, o mesmo não aconteceu na adolescência. 

A entrada no sétimo ano ou 3º ciclo dos tempos modernos, coincidiu com a mudança para um novo colégio, e trouxe todo um mundo de novo…Tinha sido lançada no concurso “Hormonas aos saltos”, sem sequer me ter candidatado.  
Nos primeiros tempos, não me senti diferente por ainda não ter o corpo impregnado de hormonas adolescentes e nem dos efeitos visíveis que elas têm no corpo das raparigas e rapazes. 
O facto das minhas duas melhores amigas estarem no mesmo patamar que eu, permitia-me continuar a viver no meu mundo “flat”. Afinal, a união faz a força. 
Mas as hormonas são lixadas quando decidem invadir o nosso corpo, pena que na altura parecia invadirem todos os outros menos o meu. 
Na mesma proporção que eu via as minhas amigas e colegas a abraçarem a evolução corporal da adolescência, ficava eu cada vez mais afastada.  
Continuava a não dar importância. De quando em vez lá ia ter com a minha mãe e perguntava se ela achava que ainda faltava muito para ter o “período”, que na volta ouvia qualquer coisa como…” -tens tempo”.  
Tinha? Eu achava que não e achava injusto não conseguir acompanhar o ritmo hormonal das minhas amigas.  
De um momento para o outro parecia que todos tinham acordado assim, altos e a encorpar de dia para dia, a transformarem-se em meninas mulher e eu não passava dali.  

Tinha estagnado nos 7 anos. Juro!  
Era isto que o espelho me mostrava. Era diferente, não tinha maminhas nem corpo que as suportasse. Para além disso, as hormonas não têm só um efeito orgânico, elas despertam outras partes do nosso cérebro e emoções como o desejo, o narcisismo e claro a sexualidade. 
Eu não tinha nada disto. Pelo contrário. 
Sexualidade para mim era pôr a Barbie e o Ken na mesma cama, quando aos fins de semana aproveitava para brincar com a minha irmã, e dávamos risinhos tontos daqueles inocentes a fugir para o maroto.  
Durante a semana tentava encaixar-me onde sentia que já não tinha lugar.  

Depois das férias grandes do sétimo ano, foi o apocalipse hormonal. 
Se até aí tinha aguentado o barco, quando voltámos de ferias para começar o oitavo ano, parecia que tinha chegado ao Lago dos Cisnes e outras aves que tais. Os pavões desfilavam, e elas acompanhavam a dança do enamoramento. E depois havia aqui a pata. Que para além de vir bronzeada, mais nada se tinha passado por aqui. Liso era…liso continuava. 
Claro que os próximos anos não foram fáceis. Cedi à pressão deste “ser” ou “estar” diferente dos demais.  
E os demais, esses não perderam oportunidade de acentuar a minha diferença. Supostas brincadeiras que magoam muito só a quem assim as sente. Ridicularização em publico, distanciamento propositado, os rapazes que rotulavam quem não tinha as supostas formas de menina mulher e por fim, as minhas amigas que acabaram por ceder a tudo isto, e deixaram que esta diferença fosse legitimada.   

Aos poucos senti-me isolada e assim fui ficando. Com 14 anos o centro da nossa vida é a escola, é nela que tudo se passa, sentir-me excluída do palco onde se passavam as melhoras peças, do ecrã onde se desempenhavam os papeis mais apaixonantes, não ter sequer um papel secundário, foi duro. 
De tal forma que nas férias grande seguintes, lembro-me que chorava sempre que estava um belo dia de praia, sorte que os 3 meses de férias eram passados na Ericeira e os dias de praia eram escassos. Mas quando o sol dava o ar da sua graça, ir à praia era o pior que me podiam fazer. Ia vestida e assim ficava.  
Fora da praia, a roupa que usava era quase sempre a mesma, para disfarçar a minha falta de formas. O contacto com rapazes era evitado ao máximo, porque achava sempre que nem sequer tinha direito a estar na casa de partida. 
Os pais, ignoravam o obvio e achavam que era uma fase. E a verdade é que era, eu é que não sabia. 

A minha metamorfose deu-se dos 16 para os 17. Aos poucos fui reconquistando a confiança e enamorei-me pelas mudanças que via acontecerem. Aos 17 apaixonei-me pela primeira vez e muitas outras coisas também aconteceram pela primeira e única vez.  
Hoje com 40 gosto de mim como gostava com 7 e sei agora por mais autoestima que se tenha, há coisas que nem ela aguenta. Tenho um filho e uma enteada e estou atenta a movimentos cisnes e de patos, se é que me entendem. 

Quanto a mim, e aos "meus" cisnes, afastei-me deles, e eles de mim quando ainda era patinho. E assim ficou até hoje. Sou pessoa de mágoas assumidas. 
Sei que eramos todos crianças no mesmo caminho, ainda que alguns a passo de tartaruga, mas a dor, a vergonha e exclusão que senti foram difíceis de viver naqueles tempos. 

É frequente cruzar-me com as pessoas daqueles tempos…, mas só isso. Cruzamo-nos como estranhos, com algumas diferenças. Desenvolvi e apurei ao longo dos anos, toda uma técnica corporal e comunicação não verbal e faço questão de fingir que não os conheço, que nem a sua cara me é familiar, apesar de saber que me reconhecem.  
Trocam-se olhares que se demoram mais do que com os estranhos e tiram “medidas” rápidas de soslaio.  
Quando assim é, a minha fantasia é sempre a mesma...eles devem estar a pensar: “Que belo cisne aquele patinho se saiu! “… e eu, ainda na minha fantasia, depois de já estarmos costas com costas, deito-lhes a língua de fora como se tivesse 7 anos, e digo-lhes: “-Toma!” 

Petra 


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