Não me destacava por finas feições
caucasianas, por olhos diferentes dos típicos castanhos, nem tão pouco do
cabelo da mesma cor. Era comum e de estatura e peso mais baixo que as restantes
da minha idade.
Ser assim até aos 11, 12 anos não me
incomodou. Para ser sincera, não me achava diferente, nem me faziam sentir
diferente, talvez porque nem sequer pensava nisso.
No meio do meu grupo de amiguinhos da
escola e fora dela, ninguém ligava se eu era mais pequenina e magrinha que os
outros. Existia e gostavam de mim por outras coisas, pelas brincadeiras
inventadas que todos pediam sempre, pela forma vivaz com que me dedicava às
pessoas e às situações.
No meio dos meus, porém, desde cedo me
habituei a ouvir “trinca-espinhas”, magricela, e outras coisas fofinhas. A
verdade é que eu era magra. Não dava como negar. Mas se na infância a magreza
não foi constrangedora, o mesmo não aconteceu na adolescência.
A entrada no sétimo ano ou 3º ciclo dos
tempos modernos, coincidiu com a mudança para um novo colégio, e trouxe todo um
mundo de novo…Tinha sido lançada no concurso “Hormonas aos saltos”, sem sequer
me ter candidatado.
Nos primeiros tempos, não me senti
diferente por ainda não ter o corpo impregnado de hormonas adolescentes e nem
dos efeitos visíveis que elas têm no corpo das raparigas e rapazes.
O facto das minhas duas melhores amigas
estarem no mesmo patamar que eu, permitia-me continuar a viver no meu mundo
“flat”. Afinal, a união faz a força.
Mas as hormonas são lixadas quando
decidem invadir o nosso corpo, pena que na altura parecia invadirem todos os
outros menos o meu.
Na mesma proporção que eu via as minhas
amigas e colegas a abraçarem a evolução corporal da adolescência, ficava eu
cada vez mais afastada.
Continuava a não dar importância. De
quando em vez lá ia ter com a minha mãe e perguntava se ela achava que ainda
faltava muito para ter o “período”, que na volta ouvia qualquer coisa como…”
-tens tempo”.
Tinha? Eu achava que não e achava
injusto não conseguir acompanhar o ritmo hormonal das minhas amigas.
De um momento para o outro parecia que
todos tinham acordado assim, altos e a encorpar de dia para dia, a
transformarem-se em meninas mulher e eu não passava dali.
Tinha estagnado nos 7 anos. Juro!
Era isto que o espelho me mostrava. Era
diferente, não tinha maminhas nem corpo que as suportasse. Para além disso, as
hormonas não têm só um efeito orgânico, elas despertam outras partes do nosso
cérebro e emoções como o desejo, o narcisismo e claro a sexualidade.
Eu não tinha nada disto. Pelo
contrário.
Sexualidade para mim era pôr a Barbie e
o Ken na mesma cama, quando aos fins de
semana aproveitava para brincar com a minha irmã, e dávamos risinhos tontos
daqueles inocentes a fugir para o maroto.
Durante a semana tentava encaixar-me
onde sentia que já não tinha lugar.
Depois das férias grandes do sétimo
ano, foi o apocalipse hormonal.
Se até aí tinha aguentado o barco,
quando voltámos de ferias para começar o oitavo ano, parecia que tinha chegado
ao Lago dos Cisnes e outras aves que tais. Os pavões desfilavam, e elas
acompanhavam a dança do enamoramento. E depois havia aqui a pata. Que para além
de vir bronzeada, mais nada se tinha passado por aqui. Liso era…liso
continuava.
Claro que os próximos anos não foram
fáceis. Cedi à pressão deste “ser” ou “estar” diferente dos demais.
E os demais, esses não perderam
oportunidade de acentuar a minha diferença. Supostas brincadeiras que magoam
muito só a quem assim as sente. Ridicularização em publico, distanciamento
propositado, os rapazes que rotulavam quem não tinha as supostas formas de
menina mulher e por fim, as minhas amigas que acabaram por ceder a tudo isto, e
deixaram que esta diferença fosse legitimada.
Aos poucos senti-me isolada e assim fui
ficando. Com 14 anos o centro da nossa vida é a escola, é nela que tudo se
passa, sentir-me excluída do palco onde se passavam as melhoras peças, do ecrã
onde se desempenhavam os papeis mais apaixonantes, não ter sequer um papel
secundário, foi duro.
De tal forma que nas férias grande
seguintes, lembro-me que chorava sempre que estava um belo dia de praia, sorte
que os 3 meses de férias eram passados na Ericeira e os dias de praia eram
escassos. Mas quando o sol dava o ar da sua graça, ir à praia era o pior que me
podiam fazer. Ia vestida e assim ficava.
Fora da praia, a roupa que usava era
quase sempre a mesma, para disfarçar a minha falta de formas. O contacto com
rapazes era evitado ao máximo, porque achava sempre que nem sequer tinha
direito a estar na casa de partida.
Os pais, ignoravam o obvio e achavam
que era uma fase. E a verdade é que era, eu é que não sabia.
A minha metamorfose deu-se dos 16 para
os 17. Aos poucos fui reconquistando a confiança e enamorei-me pelas
mudanças que via acontecerem. Aos 17 apaixonei-me pela primeira vez e muitas
outras coisas também aconteceram pela primeira e única vez.
Hoje com 40 gosto de mim como gostava
com 7 e sei agora por mais autoestima que se tenha, há coisas que nem ela aguenta. Tenho um filho
e uma enteada e estou atenta a movimentos cisnes e de patos, se é que me
entendem.
Quanto a mim, e aos "meus"
cisnes, afastei-me deles, e eles de mim quando ainda era patinho. E assim ficou
até hoje. Sou pessoa de mágoas assumidas.
Sei que eramos todos crianças no mesmo
caminho, ainda que alguns a passo de tartaruga, mas a dor, a vergonha e
exclusão que senti foram difíceis de viver naqueles tempos.
É frequente cruzar-me com as pessoas
daqueles tempos…, mas só isso. Cruzamo-nos como estranhos, com algumas
diferenças. Desenvolvi e apurei ao longo dos anos, toda uma técnica corporal e
comunicação não verbal e faço questão de fingir que não os conheço, que nem a
sua cara me é familiar, apesar de saber que me reconhecem.
Trocam-se olhares que se demoram mais
do que com os estranhos e tiram “medidas” rápidas de soslaio.
Quando assim é, a minha fantasia é
sempre a mesma...eles devem estar a pensar: “Que belo cisne aquele patinho se
saiu! “… e eu, ainda na minha fantasia, depois de já estarmos costas com
costas, deito-lhes a língua de fora como se tivesse 7 anos, e digo-lhes:
“-Toma!”
Petra
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