quarta-feira, 26 de julho de 2017

O Patrick Swayze era meu amigo e montava a cavalo na Glória do Ribatejo...




Quando ninguém sabe quem tu és, é porque és isso mesmo: ninguém. Ora quando começamos a querer ser alguém para matar as dores de crescimento, resvala-se quase sempre para aquela valeta inescapável da mentira. Não chega sermos só nós mesmos. Se ficamos por aí, é meio caminho andado para não andar. Continua-se por ninguém, nenhures e arredores. É preciso um fator externo a mostrar ao mundo que não estamos cá só para ver a passarada esvoaçar. Eu era alguém menos qualquer coisa, mas, como menos é subtrair e as minhas contas eram de somar, achei por bem e por mal adicionar um amigo às aventuras que aconteciam nas minhas patranhas e com elas encher ouvidos. O meu aditivo chamava-se Patrick Swayze.

Comecei por enfiar garruços com relativo sucesso quando expliquei a quem me escutava que o Patrick tinha uma quinta toda janota ali na Glória do Ribatejo, onde a minha mãe deu aulas e conhecia os caseiros da granja. Até havia lá um pigarço impante que o Patrick montou no “Norte e Sul” quando fez de Orry Main, o coronel do exército confederado. Informei inabalável que o visitei e ele me ofereceu o traje gris que vestiu na série. Com sabre e tudo. Depois, sentou-me na sela do pigarço e até discutimos o Sporting-Benfica desse domingo porque o Patrick gostava de bola. Disse tudo isto e mais sem engasganços e achei que a coisa grudou. Depois, para não parecer delírio esparso – o melhor mentiroso tem memória à prova de aço – entendi por amor à fantasia que importava sustentar que foi o Patrick, noutro fim de semana que passou na lezíria (ele andava entre a Sunset Boulevard e a Nacional 118), que me demonstrou como se roça o pentelho à séria depois de dar uns calores no “Dirty Dancing” à Jennifer Grey – a garota parece que saiu do “set” a fazer espargatas que iam de uma margem à outra do Tejo – houve enchidos nesse cosido à hollywoodeza, com certeza... O Kikas lá da rua acreditava em tudo (era do Belém…) e engoliu sete moscas tanto o tempo que ficou de boca a aberta a deixar-me convencê-lo.

Claro que o Pat era um rapazola cheio de viço e serviço e não parava cá muito tempo.  Ainda assim, meses depois, acertei um direto no queixada do Jojó depois de o gajo tentar injetar a maralha para me fazer uma amostra de caroço no pátio da escola. Elucidei os maravilhados com a minha tosta nos fagodes - depois de ele (o Pat, claro) filmar o “Profissão: Duro”, em que atestou meio América de porrada, transmitiu-me a arte do “cross” de direita, mais um ensinamento Swayzeano numa dessas paragens fugazes do meu amigão por cá. Se não me falha a falsidade, acho que foi depois de o tal pigarço morrer num ataque de bexigas doidas e o Pat, amigo dos animais, vir cá para o funeral, que foi ali para Marinhais.

Bom, voltei a andar ao biscoito pouco depois disso e até saí a perder. Não no pau, mas porque me acusaram de ser um milongas incurável e um triste. Eu, sempre rodeado de amigos, senti necessidade de inventar um e dos famosos. Descoberto, só tornei à escola uma semana depois. Inventei uma gripe de vergonha. Quando voltei, ninguém falou do assunto. Estive depois para ser amigo do Van Damme, mas garantir que ia com ele à chinchada e que, juntos, acabámos o Chuckie Egg no Spectrum podia não pegar...

Muito anos e menos mentiras depois, vi fotografias do Pat todo comido das carochas e recordei com emoção os momentos que nunca passámos juntos. Ele ainda deu porrada no cancro com aquele estoicismo de bonitão invencível até tombar como o exército confederado em Gettysburg e morrer como o pigarço que inventei para nós.

Mas fantasiar o Pat fez-me tropeçar na evidência que mentir é ter imaginação e que a verdade é uma senhora muito grave que dá aulas de Álgebra pela manhã.

A realidade é uma besta. É bruta e feia. Não é para fugir dela que fazem filmes?...


FILIPE ALEXANDRE DIAS

Jornalista



Sem comentários:

Enviar um comentário