Ponto prévio já para aperitivo, senhor
trolha: sabe, eu não conheço o André Gomes, mas conheço a vida de um
futebolista - é meu trabalho acompanhá-la há 20 anos. Não a martirizo, não a
glorifico, mas arredá-la dos afetos é impossível. Neste país onde pressão é
acordar cedo, encarar durezas e sustentar famílias a troco de dez réis de mel
coado, percebe-se que as glórias e desventuras de um jogador caiam na
"insensibilidade" do cidadão que paga a eletricidade e gás mais caros
da Europa, mas cada um de nós - os afortunados e os nem por isso - sabe que a
felicidade nunca está no que se tem. O André teve sorte, já o sabe. Faz o que
mais gosta e é bem pago por isso. Foi longe (sem juízos de valor, se não se
importa), mas anda nos arredores do labirinto da depressão. Isola-se, não quer
falar, sair ou jogar. É do Barcelona. É campeão da Europa. É infeliz.
Senhor trolha, ouça cá: sacuda com dignidade
fidalga esse pó do fatinho de almeida; tire lá a carcófia negra das unhas;
volte a apostar no Euromilhões que a fezada é boa amiga e eu até vou nessa
consigo; entorne essas três minis e já agora arrote outras tantas para mostrar
quem manda e rasgue lá esse sorriso: há alguém à sua espera no vale de lençóis
e a certeza de que nada há como um dia depois do outro. A vida não é assim tão
velhaca. Bom fado o seu. Podia ter jeito para jogar à bola, estar no Barcelona,
ser rico e sentir-se um imenso nada, com medo do instante que se segue.
Até gente como o André dava tudo para estar
aqui ao seu lado a beber um tintol carrascudo daquele que vem às postas para o
copo e rir com as coisas simples disto que é andar por cá, com uma sande de
torresmos para remate.
Felicidade pode ser isso.
FILIPE ALEXANDRE DIAS
O Canto da Psicologia
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