Atualmente estamos perante uma enorme pressão para sermos
perfeitos, para encaixarmos em caixas que definem para nós e que procuram que
sejam inquestionáveis. Entramos numa era narcisista que o mais importante é
termos a imagem “perfeita”, é o parecermos, em detrimento do sermos.
Neste contexto a Ortorexia apesar de ainda não ter sido
considerada, pela comunidade científica, como uma perturbação do comportamento
alimentar, alguns especialistas a definem como uma obsessão pela alimentação
saudável. Este vício que leva uma pessoa a apenas escolher alimentos dito
“puros” ou seja sem qualquer tipo corantes, conservantes, químicos, aditivos,
gorduras saturadas, açúcares, faz com que o “ortorexico” entre numa incessante
busca do alimento dito “perfeito” e biológico. Tendo em conta que nos
supermercados comuns, praticamente não existem, este tipo de alimentos, leva a
que o “Ortorexico” viva em constante frustração.
Os sintomas que se associam a este distúrbio estão muito
ligados a Perturbação Obsessiva Compulsiva em que os sujeitos apresentam
pensamentos recorrentes obsessivos incontroláveis, ruminam nas mesmas ideias,
têm rituais de verificação, tudo tem de estar controlado ao mínimo pormenor, se
não podem descompensar e entrar em ansiedade. Esta situação poderá levar ao
isolamento social, ou seja, compulsivamente tentam evitar a todo custo estar
socialmente com familiares ou amigos, para que não caiam na tentação de ingerir
os tais alimentos proibidos. Caso não consigam travar o desejo, os sentimentos
de culpa e, por vezes, de inferioridade narcísica instalam-se de forma
avassaladora e ansiogénica.
A obsessão pelo controlo sobre a sua alimentação leva o “ortorexico”
a ocupar a sua mente constantemente com a disciplina de cumprir à risca todos
os hábitos alimentares saudáveis, a que se propõe, pelo que verifica,
exaustivamente, as propriedades de cada alimento. Estes pensamentos contaminam
a vida do sujeito, ao ponto de se desconcentrar, do momento presente, impedindo
ao mesmo a possibilidade de desfrutar da companhia dos familiares e amigos.
Todas estas compulsões e obsessões são sintomas que mascaram
algo mais profundo, uma possível depressão latente, com baixa auto estima e
ansiedade. A falsa sensação de controlo, revela uma necessidade subjacente, a
de acalmar a ansiedade, neste sentido, os anoréticos controlam as quantidades
de calorias, os obesos comem compulsivamente e os “ortoréxicos” procuram
controlar a qualidade da comida. À medida que estes sintomas vão dando conta do
sujeito, mais ele procura controlar os comportamentos obsessivos, pelo que vai
criando uma falsa ideia de que está a dominar, assim vai “escondendo” as
questões que estão por tratar nomeadamente as depressivas. A este propósito a
causa de fundo mais comum, a depressão, fica por trabalhar e quanto mais a
obsessão aumenta, mais doentes psicologicamente ficam.
A dúvida que surge relaciona-se com o fato de estarmos
perante um aumento deste tipo de casos como tem aparecido nos media. Parece
que, nos dias de hoje, as pessoas facilmente caiem em compulsões, obsessões e
vícios, como forma de não encarar uma realidade que é sentida como dura e/ou
incompreensível. Neste sentido algumas das causas possíveis poderão estar associadas
às emoções que entram em colapso, ao sentimento de vazio interior e à falta de propósito
na vida. Os relacionamentos estão cada vez mais superficiais, a capacidade de amar
intersubjetivamente e de forma saudável, isto é, sem ser simbiótica, em que duas
pessoas, inteiras, são capazes de amar sem se diluírem no outro. Esta forma de
amar saudável permite ao sujeito se entregar ao outro sem, contudo, se perder
identitariamente.
Por outro lado, a incapacidade de desenvolver um significado
profundo perante o sofrimento e as emoções sentidas como difusas, faz com que o
obsessivo procure nos seus rituais um “descanso”, momentâneo, para acalmar a
sua angústia. Porém estas obsessões poderão ficar descontroladas, pelo que,
somente através de um processo psicoterapêutico, em co-construção, é possível
ir apaziguando o estado de ansiedade, ao dar significado emocional para os
medos, por vezes ilógicos, do obsessivo.
Neste sentido a aceitação de que a nossa, diferença,
imperfeição e intersubjetividade é o que temos de mais precioso, irá libertar o
sujeito de uma exigência da perfeição que chega a ser, por vezes, tirana. O
processo psicoterapêutico visa enaltecer as nossas idiossincrasias, o que nos
faz únicos e especiais.
A alteridade é a aceitação de que não somos cópias de
ninguém, mesmo com a pressão eventual, devemos manter a nossa genuinidade e
deixar emergir a nossa verdadeira identidade, consciente e disponível para
receber e dar o melhor nesta vida.
Drª Mafalda Leite Borges
O Canto da Psicologia
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