Na casa dos Figueiredo, o riso
andava à solta, propagava-se e os carros tinham dois volantes. Um para quem
ensinava e outro para quem aprendia. Era casa de condução, tinha uns azulejos
do Chico Escuro numa parede empedrada sobre a qual me lembro de libertar águas,
vertidas da cintura para baixo - ninguém estava a ver, claro – e onde ainda me
fica a memória vaga de acertar dois arrebites bem assentes na fachada do Bruno
da Neuza. O Paulinho ainda nem chegava com o queixo ao tablier e já esgalhava
no Ford do pai a toda a brida. Eu gostava aos magotes do Paulinho e, quando ele
dava uma guinada fora do programa, o António pai lá soltava do alto da sua
total e invencível sapiência de todas as coisas sobre rodas: “Ó Paulo, isto não
é à balda”. Amarfanhei-lhes a minha carta de condução na escola que ainda é
deles, ali onde Linda-a-Velha começa a descer para uma coisa que mira flores ou
lá o que é. Isto, naturalmente, depois de colar a grelha do Datsun 1200 do papá
à parede da garagem – quis a santa providência que o Dentinho se desviasse da
frente a tempo, antes que virasse uma panqueca canídea. Os Figueiredo, do
António ao Paulinho, da Tininha à Mónica, faziam descaso dos nossos restos
coloniais com um travo a Moçambique, gostavam de se raspar para o Algarve e
foram os primeiros benfiquistas da minha vida. Eram alegres até aos ossos. Para
não ficarmos lá no nosso casebre com o labéu de fundamentalistas, o Paulinho
aparecia nas festas de anos com a camisola do Nené enfiada no esqueleto e eu
perdoava porque as prendas dos Figueiredo eram de estalo. Mais tarde, continuei
a tolerar esses desvios do Paulo a troco de uns filmes em VHS do Rocky dobrados
em alemão. Parece que eram um senhor a quem entretanto se apagara o maçarico.
Não percebemos nada, mas vibrámos juntos ao ver aquele russo mau do tamanho de
uma montanha bater com a marmita na lona – o Stallone nunca nos deixou ficar
mal.
Parece que o Paulinho faz hoje
46 biscoitos e agora é ele quem ensina a maralha a conduzir. Não o vejo desde
que a mana Suzy deixou de ser solteira. Não gosto e lá tenho de me render à
promessa de procurar mais um amigo que esse ladrão do tempo me quer roubar. É
provável que o nosso Paulo Figueiredo ainda se equipe à Nené até quando dá
aulas no tal descaso pós-colonial. Afinal, a vida às vezes é para ser levada na
descontra e à balda. Aprende-se imenso assim.
Parabéns com todo o calor,
Paulinho. Podia lá esquecer-me de um Figueiredo como tu.
Todos os abraços e, já agora,
toma lá mais um a mais para o caminho.
Filipe Alexandre Dias
O Canto da Psicologia
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