sexta-feira, 25 de maio de 2018

O Paulo Figueiredo, à balda, e equipado à Nené...








Na casa dos Figueiredo, o riso andava à solta, propagava-se e os carros tinham dois volantes. Um para quem ensinava e outro para quem aprendia. Era casa de condução, tinha uns azulejos do Chico Escuro numa parede empedrada sobre a qual me lembro de libertar águas, vertidas da cintura para baixo - ninguém estava a ver, claro – e onde ainda me fica a memória vaga de acertar dois arrebites bem assentes na fachada do Bruno da Neuza. O Paulinho ainda nem chegava com o queixo ao tablier e já esgalhava no Ford do pai a toda a brida. Eu gostava aos magotes do Paulinho e, quando ele dava uma guinada fora do programa, o António pai lá soltava do alto da sua total e invencível sapiência de todas as coisas sobre rodas: “Ó Paulo, isto não é à balda”. Amarfanhei-lhes a minha carta de condução na escola que ainda é deles, ali onde Linda-a-Velha começa a descer para uma coisa que mira flores ou lá o que é. Isto, naturalmente, depois de colar a grelha do Datsun 1200 do papá à parede da garagem – quis a santa providência que o Dentinho se desviasse da frente a tempo, antes que virasse uma panqueca canídea. Os Figueiredo, do António ao Paulinho, da Tininha à Mónica, faziam descaso dos nossos restos coloniais com um travo a Moçambique, gostavam de se raspar para o Algarve e foram os primeiros benfiquistas da minha vida. Eram alegres até aos ossos. Para não ficarmos lá no nosso casebre com o labéu de fundamentalistas, o Paulinho aparecia nas festas de anos com a camisola do Nené enfiada no esqueleto e eu perdoava porque as prendas dos Figueiredo eram de estalo. Mais tarde, continuei a tolerar esses desvios do Paulo a troco de uns filmes em VHS do Rocky dobrados em alemão. Parece que eram um senhor a quem entretanto se apagara o maçarico. Não percebemos nada, mas vibrámos juntos ao ver aquele russo mau do tamanho de uma montanha bater com a marmita na lona – o Stallone nunca nos deixou ficar mal.
Parece que o Paulinho faz hoje 46 biscoitos e agora é ele quem ensina a maralha a conduzir. Não o vejo desde que a mana Suzy deixou de ser solteira. Não gosto e lá tenho de me render à promessa de procurar mais um amigo que esse ladrão do tempo me quer roubar. É provável que o nosso Paulo Figueiredo ainda se equipe à Nené até quando dá aulas no tal descaso pós-colonial. Afinal, a vida às vezes é para ser levada na descontra e à balda. Aprende-se imenso assim.

Parabéns com todo o calor, Paulinho. Podia lá esquecer-me de um Figueiredo como tu.

Todos os abraços e, já agora, toma lá mais um a mais para o caminho.

Filipe Alexandre Dias
O Canto da Psicologia


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