Numa
qualquer relação interpessoal, a confiança será uma qualidade em
desenvolvimento, de forma mais ou menos consciente, desde que, nesse processo,
ocorra uma harmonia consistente entre o que cada pessoa diz e o que faz.
Nesta
medida, a confiança estará associada à expressão da verdade, não à que se
refere como tendo uma natureza absoluta e transcendente à experiência humana –
essa Verdade é, por definição, inacessível e desconhecida – mas sim ao que é
genuinamente relevante, consciente, de modo objectivo e subjectivo, numa
determinada relação.
Concomitantemente,
é importante esclarecer que a confiança numa relação revela uma vivência de
natureza benevolente, não bastando assim que uma determinada dinâmica
relacional seja apenas expectável para que exista confiança, porque uma relação
pode ser suficientemente previsível, mas ser de índole desrespeitosa, abusiva
e, por isso, maligna; ao invés, dada a sua intrínseca benevolência, uma autêntica
relação de confiança tende a promover partilha, proximidade e profundidade na
expressão afectiva.
É
especialmente importante destacar na análise e compreensão do fenómeno de
confiança nas relações humanas, o «território» primordial e potencialmente fundador
dessa qualidade: a relação pais-filhos.
Na
realidade, desde o início da relação pais-bebé, a continuidade dos cuidados
físicos e do acolhimento emocional por parte dos pais é fundamental para
desenvolver no bebé a sensação de uma segurança essencial, de amparo básico,
que gera, sustenta e nutre o desenvolvimento dessa qualidade de confiança nas
relações humanas.
Mais
tarde, com a aquisição da competência de marcha da criança, com uma subjacente
maior capacidade de explorar o mundo e, igualmente, com o desenvolvimento da linguagem,
aquilo que é permitido e negado à criança, através dos “sins” e “nãos” dos
pais, serão experiências que irão intensificar a confiança da criança nessas
relações familiares, enquanto «portos seguros», desde que se revelem suficientemente
consistentes nas suas atitudes parentais. Importa clarificar que uma relação de
confiança, o tal «porto seguro», não será uma relação estática, inerte e
rígida, mas sim uma relação com alguma flexibilidade perante as necessidades
que vão, naturalmente, se modificando com o desenvolvimento dessa relação.
Continuando a recorrer ao exemplo da relação pais-filhos, os progenitores
poderão impedir que um bebé de 10 meses se coloque de pé em cima de um pequeno
banco, na medida em que tal atitude parental estará ao serviço da protecção
básica que os pais devem garantir a esse seu filho; já face a uma criança de 3
ou 4 anos que tenha esse mesmo comportamento, a atitude dos pais poderá ser de
aceitação ou até mesmo de incentivo num eventual momento de interacção lúdica
com a criança, na qual a segurança da mesma estará preservada, porque já
consegue descer sozinha, sem dificuldade, desse pequeno banco.
Por
outro lado, os pais poderão constituir-se na relação com a criança como «portos
à deriva», flutuantes e instáveis, na medida em que os “nãos” se modifiquem
rapidamente em “sins” perante os desafios de lidarem com uma qualquer solicitação,
exigência ou birra infantil.
Neste
sentido, se os pais dizem, assumem ou até prometem determinadas coisas, mas,
muitas vezes, fazem outras, como podem as crianças sentirem confiança suficiente
nessa relação fundamental de cuidados, ou seja, como poderão se sentir
minimamente seguras e tranquilas na relação com os progenitores?
Nessas
circunstâncias, as crianças, como dependentes emocionais que são na relação com
os seus pais, tendem a manifestar e a desenvolver, em si mesmas, a
instabilidade que vivenciam nessas essenciais relações familiares, podendo,
assim, esse tipo de vivências continuadas consubstanciarem-se num grande
obstáculo a um saudável desenvolvimento mental infantil. Infelizmente, esse
reiterado mal-estar psicológico das crianças, será assim impeditivo da
construção de alicerces fundamentais da própria confiança em si próprias,
porque as experiências relacionais que foram integradas no seu mundo interno
foram dessa natureza. Nesta medida, mais tarde ou mais cedo, enquanto crianças,
adolescentes ou adultos, surgem, naturalmente, os pedidos de «reparação»
psicológica dessas lacunas/falhas dolorosas, como bem sabemos n’ O Canto daPsicologia.
Por
conseguinte, chegando ao âmbito específico da psicoterapia, o desenvolvimento
da confiança na relação terapêutica passa a constituir uma prioridade. Assim, o
psicoterapeuta, enquanto «cuidador» psicológico do paciente reveste-se, assim,
de um papel que se aproxima, simbolicamente, de uma figura parental e é, nessa
medida, que poderá ajudar a restituir a confiança relacional no paciente.
De
acordo com o exercício dessa responsabilidade, o psicoterapeuta deverá estar
bastante atento aos compromissos que realiza com o paciente, logo desde a
primeira sessão, designadamente sobre o modo como o processo psicoterapêuticoirá decorrer. Será, assim, relevante que, perante o pedido e expectativas do
paciente e/ou do seu encarregado de educação – no caso do paciente ser ainda
uma criança ou adolescente – o psicoterapeuta clarifique suficientemente bem o
modo como trabalha e a forma como pode ajudar o paciente a atingir o que espera
com a psicoterapia. De modo a que se defina a natureza desta relação tão
particular e distintiva, torna-se, igualmente, importante a explicitação das
normas e limites dessa dinâmica relacional, entre os quais se enquadram a regra
da confidencialidade e as suas excepções – tipicamente, face a situações de
iminente risco de segurança para o paciente ou outras pessoas – a periodicidade
e duração das sessões, os honorários do psicoterapeuta e o modo de realizar
esses pagamentos, o procedimento para desmarcação de sessões e aviso de férias
por parte do psicoterapeuta e paciente. Adicionalmente, a própria forma de
estar do psicoterapeuta em sessão deverá revelar um padrão coerente de
intervenção, tendo em conta o seu quadro teórico de referência e as normas
éticas e deontológicas da sua profissão. O que sucederia se o psicoterapeuta
faltasse frequentemente às sessões com o paciente, que alterasse muitas vezes
os horários das sessões ou a própria forma de intervir? O contributo do psicoterapeuta para essa relação seria, sobretudo, ao nível da instabilidade, algo oposto à pretendida confiança básica, sendo que esta pode ser considerada a «terra» essencial a partir da qual se podem cultivar «sementes» de
transformação psicológica.
Em suma, em cada relação humana, o seu potencial de desenvolvimento dependerá, em grande medida, da qualidade de confiança que for sendo estabelecida, sendo certo que cada pessoa procurará, de uma forma mais ou menos explícita/implícita ou aberta/fechada, satisfazer essa necessidade básica. Afinal, profundamente, o desejo de desenvolver boas relações é algo inerente à condição humana…
Dr.
Nuno Almeida e Sousa
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