quinta-feira, 31 de maio de 2018

Uma relação de confiança…







Numa qualquer relação interpessoal, a confiança será uma qualidade em desenvolvimento, de forma mais ou menos consciente, desde que, nesse processo, ocorra uma harmonia consistente entre o que cada pessoa diz e o que faz.

Nesta medida, a confiança estará associada à expressão da verdade, não à que se refere como tendo uma natureza absoluta e transcendente à experiência humana – essa Verdade é, por definição, inacessível e desconhecida – mas sim ao que é genuinamente relevante, consciente, de modo objectivo e subjectivo, numa determinada relação.

Concomitantemente, é importante esclarecer que a confiança numa relação revela uma vivência de natureza benevolente, não bastando assim que uma determinada dinâmica relacional seja apenas expectável para que exista confiança, porque uma relação pode ser suficientemente previsível, mas ser de índole desrespeitosa, abusiva e, por isso, maligna; ao invés, dada a sua intrínseca benevolência, uma autêntica relação de confiança tende a promover partilha, proximidade e profundidade na expressão afectiva.

É especialmente importante destacar na análise e compreensão do fenómeno de confiança nas relações humanas, o «território» primordial e potencialmente fundador dessa qualidade: a relação pais-filhos.

Na realidade, desde o início da relação pais-bebé, a continuidade dos cuidados físicos e do acolhimento emocional por parte dos pais é fundamental para desenvolver no bebé a sensação de uma segurança essencial, de amparo básico, que gera, sustenta e nutre o desenvolvimento dessa qualidade de confiança nas relações humanas.

Mais tarde, com a aquisição da competência de marcha da criança, com uma subjacente maior capacidade de explorar o mundo e, igualmente, com o desenvolvimento da linguagem, aquilo que é permitido e negado à criança, através dos “sins” e “nãos” dos pais, serão experiências que irão intensificar a confiança da criança nessas relações familiares, enquanto «portos seguros», desde que se revelem suficientemente consistentes nas suas atitudes parentais. Importa clarificar que uma relação de confiança, o tal «porto seguro», não será uma relação estática, inerte e rígida, mas sim uma relação com alguma flexibilidade perante as necessidades que vão, naturalmente, se modificando com o desenvolvimento dessa relação. Continuando a recorrer ao exemplo da relação pais-filhos, os progenitores poderão impedir que um bebé de 10 meses se coloque de pé em cima de um pequeno banco, na medida em que tal atitude parental estará ao serviço da protecção básica que os pais devem garantir a esse seu filho; já face a uma criança de 3 ou 4 anos que tenha esse mesmo comportamento, a atitude dos pais poderá ser de aceitação ou até mesmo de incentivo num eventual momento de interacção lúdica com a criança, na qual a segurança da mesma estará preservada, porque já consegue descer sozinha, sem dificuldade, desse pequeno banco.

Por outro lado, os pais poderão constituir-se na relação com a criança como «portos à deriva», flutuantes e instáveis, na medida em que os “nãos” se modifiquem rapidamente em “sins” perante os desafios de lidarem com uma qualquer solicitação, exigência ou birra infantil.

Neste sentido, se os pais dizem, assumem ou até prometem determinadas coisas, mas, muitas vezes, fazem outras, como podem as crianças sentirem confiança suficiente nessa relação fundamental de cuidados, ou seja, como poderão se sentir minimamente seguras e tranquilas na relação com os progenitores?

Nessas circunstâncias, as crianças, como dependentes emocionais que são na relação com os seus pais, tendem a manifestar e a desenvolver, em si mesmas, a instabilidade que vivenciam nessas essenciais relações familiares, podendo, assim, esse tipo de vivências continuadas consubstanciarem-se num grande obstáculo a um saudável desenvolvimento mental infantil. Infelizmente, esse reiterado mal-estar psicológico das crianças, será assim impeditivo da construção de alicerces fundamentais da própria confiança em si próprias, porque as experiências relacionais que foram integradas no seu mundo interno foram dessa natureza. Nesta medida, mais tarde ou mais cedo, enquanto crianças, adolescentes ou adultos, surgem, naturalmente, os pedidos de «reparação» psicológica dessas lacunas/falhas dolorosas, como bem sabemos n’ O Canto daPsicologia.

Por conseguinte, chegando ao âmbito específico da psicoterapia, o desenvolvimento da confiança na relação terapêutica passa a constituir uma prioridade. Assim, o psicoterapeuta, enquanto «cuidador» psicológico do paciente reveste-se, assim, de um papel que se aproxima, simbolicamente, de uma figura parental e é, nessa medida, que poderá ajudar a restituir a confiança relacional no paciente.

De acordo com o exercício dessa responsabilidade, o psicoterapeuta deverá estar bastante atento aos compromissos que realiza com o paciente, logo desde a primeira sessão, designadamente sobre o modo como o processo psicoterapêuticoirá decorrer. Será, assim, relevante que, perante o pedido e expectativas do paciente e/ou do seu encarregado de educação – no caso do paciente ser ainda uma criança ou adolescente – o psicoterapeuta clarifique suficientemente bem o modo como trabalha e a forma como pode ajudar o paciente a atingir o que espera com a psicoterapia. De modo a que se defina a natureza desta relação tão particular e distintiva, torna-se, igualmente, importante a explicitação das normas e limites dessa dinâmica relacional, entre os quais se enquadram a regra da confidencialidade e as suas excepções – tipicamente, face a situações de iminente risco de segurança para o paciente ou outras pessoas – a periodicidade e duração das sessões, os honorários do psicoterapeuta e o modo de realizar esses pagamentos, o procedimento para desmarcação de sessões e aviso de férias por parte do psicoterapeuta e paciente. Adicionalmente, a própria forma de estar do psicoterapeuta em sessão deverá revelar um padrão coerente de intervenção, tendo em conta o seu quadro teórico de referência e as normas éticas e deontológicas da sua profissão. O que sucederia se o psicoterapeuta faltasse frequentemente às sessões com o paciente, que alterasse muitas vezes os horários das sessões ou a própria forma de intervir? O contributo do psicoterapeuta para essa relação seria, sobretudo, ao nível da instabilidade, algo oposto à pretendida confiança básica, sendo que esta pode ser considerada a «terra» essencial a partir da qual se podem cultivar «sementes» de transformação psicológica.

Em suma, em cada relação humana, o seu potencial de desenvolvimento dependerá, em grande medida, da qualidade de confiança que for sendo estabelecida, sendo certo que cada pessoa procurará, de uma forma mais ou menos explícita/implícita ou aberta/fechada, satisfazer essa necessidade básica. Afinal, profundamente, o desejo de desenvolver boas relações é algo inerente à condição humana…



Dr. Nuno Almeida e Sousa 





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