quinta-feira, 24 de maio de 2018

Traduzindo conceitos...








            Cinco dinâmicas fundamentais em psicoterapia psicanalítica: acting-out, transferência, enactment, contra-transferência e actualização.

          Podemos definir acting-out como todos os comportamentos e/ou atitudes que ocorrem no contexto de um processo psicanalítico, que de alguma forma estão ligados aos conflitos intrapsíquicos e inconscientes do paciente e que tendem a expressar-se no contexto da relação terapêutica e, portanto, da relação transferencial. O que nos permite distinguir os simples comportamentos/atitudes, de cariz sintomático, dos reais acting-outs é, precisamente, o facto de estes últimos serem activados, ou mesmo “solicitados” (pela acção do terapeuta) e não terem que ver com expressões sintomáticas já existentes, a priori, no quadro clínico do paciente, ou pela exacerbação das mesmas. Na mesma linha de raciocínio, o que define o acting-out não tem que ver com a natureza, intensidade, ou gravidade do comportamento, ou mesmo com o local onde ocorre, desde que conheça génese nos produtos do processo terapêutico. Aliás, o acting-out, pode interferir nesse mesmo processo, firmando-se como uma forma de o fazer avançar ou de lhe resistir, facilitando a lembrança e a comunicação, activando-as ou, au contraire, inibindo-as. Com o passar do tempo, o termo acting-out foi sendo usado, cada vez mais, para se referir a comportamentos disruptivos e tidos como inadequados, sendo-lhes atribuído sempre um valor negativo e/ou destrutivo, no contexto do processo terapêutico. Todavia e sobretudo nas abordagens interpessoais, relacionais e inter-subjectivas, (mas não só, também entre os freudianos e kleinianos contemporâneos) algumas das modalidades do acting-out têm sido extensamente estudadas e trazidas para as discussões actuais, acerca das especificidades do processo terapêutico de cariz psicanalítico. O continuum transferência-acting-out-contratransferência passou, assim, a estar no centro das atenções, muito à custa do papel fundamental que, dimensões como enactment e actualização assumiram na prática clínica.
          O conceito de enactment, bem como a discussão da sua especificidade, enceta-se com Jacobs e McLaughlin. O termo expressa, por assim dizer, os comportamentos inconscientes e involuntários, verbais ou não-verbais, que ambas as partes da díade terapêutica - terapeuta e paciente - põem em prática, por força e, portanto, consequência, das implicações que o comportamento do outro opera em cada um. Note-se, a importância especial que a comunicação não-verbal - a mímica, as expressões faciais, as posturas e os trejeitos, etc. -, mas, também, que a própria comunicação verbal - a entoação, as pausas, etc. - assumem na questão do enactment, já que, ainda antes do desenvolvimento da linguagem, qualquer indivíduo aprendeu formas de reconhecer no outro vontades, desejos e idiossincrasias, através da observação do seu comportamento. Completando, podemos considerar que “ocorreu” enactment quando o paciente, de forma inconsciente, comportando-se de um modo particular, capta a predisposição subjectiva do terapeuta para se sentir e responder de determinada forma, propiciando nesse uma reacção emocional, que acaba por confirmar as fantasias e desejos transferenciais do primeiro. Podemos, ainda, dizer que o que está em causa é também e sempre, a questão da transferência e, portanto, a tentativa do paciente encontrar na relação resposta para os seus anseios e fantasias e para a mise en scène dos seus padrões e registos relacionais precoces. Também em causa, funcionando sempre em sentido complementar, encontramos a contra-transferência, da qual, os fenómenos de enactment estão directamente dependentes.
          Quando Freud pela primeira vez, se referiu ao produto contra-transferencial, conceptualizou-o como aquilo que se opera, que “chega no terapeuta”, por força da influência do paciente no inconsciente desse. Tendo por base essa ideia, Freud, tal como outros analistas clássicos - Melanie Klein ou Paula Heimann - acreditavam que a contra-transferência era um real perigo para a neutralidade e objectividade do terapeuta e, portanto, deveria ser reconhecida e ultrapassada por este último. Pelo contrário, outros autores - talvez o primeiro tenha sido Sándor Ferenczi - olharam para a contra-transferência de outra forma. Partindo de uma matriz construtivista da situação analítica, consideram que, para além de ser reconhecida, a contra-transferência deve ser trabalhada e analisada, como um produto fundamental do processo terapêutico. Mais que isso, deve ser perspectivada como uma via privilegiada de acesso ao sempre insondável inconsciente do paciente.
           A este propósito, Hinshelwood concluiu que as perspectivas surgidas nas últimas décadas dão conta da noção, de que o terapeuta é possuidor não só de uma identidade profissional, mas também de uma identidade pessoal, psicológica e que, ambos esses aspectos estão implicados em tudo que ocorre durante o processo terapêutico. Assim, através da contra-transferência, o terapeuta vê-se entre as fantasias do paciente, o seu papel de técnico e de facilitador da mudança e as suas próprias fantasias. Eis que estamos, também, perante três possibilidades: o paciente integra, incorrectamente, o terapeuta como tendo um papel na sua fantasia; ou, de certo modo, o estado de espírito do terapeuta condiz com a fantasia do paciente; ou, ainda, o terapeuta é, digamos, instigado a desempenhar o papel - o enactment, portanto.
          O enactment, distinto do simples e tradicional acting-out (porque ao invés do que ocorre neste último - no qual o terapeuta é mero observador, no primeiro, o terapeuta é participante), possibilita, assim, a forma mais subtil de acting-out, a actualização. Podemos descrever a actualização como o processo, através do qual o paciente experiencia que o comportamento ou atitude do terapeuta, de certa forma, foi ao encontro dos seus desejos ou expectativas, mesmo sem que o paciente tenha noção desses mesmos desejos ou expectativas ou, sequer, do processo que se opera na satisfação dos mesmos. Concomitante a esse processo subjectivo, a actualização origina um processo mais objectivo, que se refere às tentativas do ego rever as formações de compromisso engendradas, pelo conflito criado pela emergência das fantasias transferenciais. Por fim e complementarmente, devemos referir que por desejos e expectativas satisfeitas devem entender-se, sobretudo, gratificações inerentes ao próprio processo terapêutico, mas também relacionadas com fantasias transferenciais próprias de cada paciente.



Dr. Pedro Rodrigues Anjos
O Canto da Psicologia







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