Cinco dinâmicas fundamentais em
psicoterapia psicanalítica: acting-out,
transferência, enactment, contra-transferência
e actualização.
Podemos definir acting-out como todos os comportamentos e/ou atitudes que ocorrem
no contexto de um processo psicanalítico, que de alguma forma estão ligados aos
conflitos intrapsíquicos e inconscientes do paciente e que tendem a
expressar-se no contexto da relação terapêutica e, portanto, da relação
transferencial. O que nos permite distinguir os simples comportamentos/atitudes,
de cariz sintomático, dos reais acting-outs
é, precisamente, o facto de estes últimos serem activados, ou mesmo
“solicitados” (pela acção do terapeuta) e não terem que ver com expressões
sintomáticas já existentes, a priori,
no quadro clínico do paciente, ou pela exacerbação das mesmas. Na mesma linha
de raciocínio, o que define o acting-out
não tem que ver com a natureza, intensidade, ou gravidade do comportamento, ou
mesmo com o local onde ocorre, desde que conheça génese nos produtos do processo
terapêutico. Aliás, o acting-out,
pode interferir nesse mesmo processo, firmando-se como uma forma de o fazer
avançar ou de lhe resistir, facilitando a lembrança e a comunicação, activando-as
ou, au contraire, inibindo-as. Com o
passar do tempo, o termo acting-out foi
sendo usado, cada vez mais, para se referir a comportamentos disruptivos e
tidos como inadequados, sendo-lhes atribuído sempre um valor negativo e/ou
destrutivo, no contexto do processo terapêutico. Todavia e sobretudo nas
abordagens interpessoais, relacionais e inter-subjectivas, (mas não só, também
entre os freudianos e kleinianos contemporâneos) algumas das modalidades do acting-out têm sido extensamente
estudadas e trazidas para as discussões actuais, acerca das especificidades do
processo terapêutico de cariz psicanalítico. O continuum transferência-acting-out-contratransferência passou,
assim, a estar no centro das atenções, muito à custa do papel fundamental que,
dimensões como enactment e actualização
assumiram na prática clínica.
O conceito de enactment, bem como a discussão da sua especificidade, enceta-se
com Jacobs e McLaughlin. O termo expressa, por assim dizer, os comportamentos
inconscientes e involuntários, verbais ou não-verbais, que ambas as partes da
díade terapêutica - terapeuta e paciente - põem em prática, por força e,
portanto, consequência, das implicações que o comportamento do outro opera em
cada um. Note-se, a importância especial que a comunicação não-verbal - a
mímica, as expressões faciais, as posturas e os trejeitos, etc. -, mas, também,
que a própria comunicação verbal - a entoação, as pausas, etc. - assumem na
questão do enactment, já que, ainda
antes do desenvolvimento da linguagem, qualquer indivíduo aprendeu formas de
reconhecer no outro vontades, desejos e idiossincrasias, através da observação
do seu comportamento. Completando, podemos considerar que “ocorreu” enactment quando o paciente, de forma
inconsciente, comportando-se de um modo particular, capta a predisposição
subjectiva do terapeuta para se sentir e responder de determinada forma,
propiciando nesse uma reacção emocional, que acaba por confirmar as fantasias e
desejos transferenciais do primeiro. Podemos, ainda, dizer que o que está em
causa é também e sempre, a questão da transferência e, portanto, a tentativa do
paciente encontrar na relação resposta para os seus anseios e fantasias e para
a mise en scène dos seus padrões e
registos relacionais precoces. Também em causa, funcionando sempre em sentido
complementar, encontramos a contra-transferência, da qual, os fenómenos de enactment estão directamente
dependentes.
Quando Freud pela primeira vez, se
referiu ao produto contra-transferencial, conceptualizou-o como aquilo que se
opera, que “chega no terapeuta”, por força da influência do paciente no inconsciente
desse. Tendo por base essa ideia, Freud, tal como outros analistas clássicos -
Melanie Klein ou Paula Heimann - acreditavam que a contra-transferência era um
real perigo para a neutralidade e objectividade do terapeuta e, portanto,
deveria ser reconhecida e ultrapassada por este último. Pelo contrário, outros
autores - talvez o primeiro tenha sido Sándor Ferenczi - olharam para a
contra-transferência de outra forma. Partindo de uma matriz construtivista da
situação analítica, consideram que, para além de ser reconhecida, a
contra-transferência deve ser trabalhada e analisada, como um produto
fundamental do processo terapêutico. Mais que isso, deve ser perspectivada como
uma via privilegiada de acesso ao sempre insondável inconsciente do paciente.
A este propósito, Hinshelwood concluiu que as
perspectivas surgidas nas últimas décadas dão conta da noção, de que o
terapeuta é possuidor não só de uma identidade profissional, mas também de uma
identidade pessoal, psicológica e que, ambos esses aspectos estão implicados em
tudo que ocorre durante o processo terapêutico. Assim, através da
contra-transferência, o terapeuta vê-se entre as fantasias do paciente, o seu
papel de técnico e de facilitador da mudança e as suas próprias fantasias. Eis
que estamos, também, perante três possibilidades: o paciente integra,
incorrectamente, o terapeuta como tendo um papel na sua fantasia; ou, de certo
modo, o estado de espírito do terapeuta condiz com a fantasia do paciente; ou,
ainda, o terapeuta é, digamos, instigado a desempenhar o papel - o enactment, portanto.
O enactment,
distinto do simples e tradicional acting-out
(porque ao invés do que ocorre neste último - no qual o terapeuta é mero
observador, no primeiro, o terapeuta é participante), possibilita, assim, a
forma mais subtil de acting-out, a
actualização. Podemos descrever a actualização como o processo, através do qual
o paciente experiencia que o comportamento ou atitude do terapeuta, de certa
forma, foi ao encontro dos seus desejos ou expectativas, mesmo sem que o
paciente tenha noção desses mesmos desejos ou expectativas ou, sequer, do
processo que se opera na satisfação dos mesmos. Concomitante a esse processo
subjectivo, a actualização origina um processo mais objectivo, que se refere às
tentativas do ego rever as formações de compromisso engendradas, pelo conflito
criado pela emergência das fantasias transferenciais. Por fim e
complementarmente, devemos referir que por desejos e expectativas satisfeitas
devem entender-se, sobretudo, gratificações inerentes ao próprio processo
terapêutico, mas também relacionadas com fantasias transferenciais próprias de
cada paciente.
Dr. Pedro Rodrigues Anjos
O Canto da Psicologia
Sem comentários:
Enviar um comentário