quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A "bolha actimel" e o despir de fardas no processo terapêutico...






Confesso que mesmo tendo sido arrastado pela minha mãe (que nunca foi general porque com certeza porque a altura não se media pela altivez), isto não foi nada do que esperava. Tinha uma ideia completamente diferente…até pelo que se diz por aí…o que as pessoas acham. Ah e tal vinha falar…falar…pfffff…achava eu. Isto criou na minha cabeça, aqui dentro uma área…uma zona onde pode haver dúvidas, criticas, coisas assim difíceis outras boas, às vezes até tristeza e zanga (talvez muitas vezes). Falar para quê?? Achava eu…e hoje penso falar sim, falar para criar essa zona ou melhor para deixar que essa zona exista e não andar a fingir para não pensar, para não sentir! Achei que só viria uma vez…aquela vez…a primeira…mas tenho de admitir hoje (coisa difícil antes), que a minha arrogância das primeiras consultas escondia o reconhecer que…eu precisava de aceitar e dar espaço a esta área de me pensar e sentir dentro de mim! (…) Sei que hoje não vou sair daqui com uma “bolha actimel”, a achar que este espaço dentro de mim é garantido e nada o atingirá ou agitará…Vão acontecer coisas, vou sentir coisas, ficar confuso e sei lá…tudo isso. Acho que entrei aqui como um soldado de pedra e saio hoje a sentir que não preciso da farda para ser alguém nem para esconder nada … saio Eu esse Eu à minha maneira e que descobri aqui!”


O L. militar de “corpo e alma” (como dizia), descreve assim o seu percurso terapêutico de dois anos, com um inicio que parecia marcar passo numa marcha compassada e reta (pesada e internamente dessintónica do seu ritmo), mas um fim harmónico, confiante e realista. De facto em muitos casos a terapia obriga ao “despir” de uma farda (capa), ao partir (esculpir) do que parece apenas um bloco de pedra…obriga a encontrar esse espaço de insight para pensar e compreender a dor, transformar e crescer emocionalmente numa relação terapêutica que deixe refletir fiel e afetivamente a imagem de cada sujeito. O fim que nem sempre se garante como ponto final, e ao qual tantas vezes se acrescentam “clandestinamente” outros dois pontos que garantam a continuidade de um trabalho que é feito dentro de cada sujeito, é assim muito para além do desaparecimento ou alivio dos motivos ou sintomas iniciais. É como diz o L. conhecer-se na dúvida, na crítica, na dor, na alegria, na vicissitude de se ser…no Eu que sempre lá esteve mas precisava de ganhar “uma zona” para se fazer ouvir e sentir. E isto é tão distante do que poderia ser uma “bolha actimel” que não sabendo a iogurte nos envolve nos amargos da vida, nos envolve ciclicamente num padrão de fuga para a frente, para não pensar, para não se olhar e para não se sentir. Não estaria inicialmente o L. numa romanceada e ilusória “bolha actimel” como tantas outras pessoas??


O fim não o é na verdade; pois a história de cada paciente no seu processo de crescimento não se encerra naqueles últimos 50 minutos…continuará e crescerá dentro de cada sujeito à medida que as vicissitudes da vida, dos contextos, das pessoas…

O Canto da Psicologia
Drª Joana Cloetens

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