O tema da hiperatividade tem sido
muito debatido mas voltemos a ele uma vez mais, e voltemos as vezes que forem
necessárias enquanto assistirmos à tendência e pressão para medicar as crianças
que manifestam alterações de comportamento.
Numa primeira linha, há um aspeto
fundamental que muitas vezes é negligenciado. Refiro-me à agitação natural da
infância - “como é que conseguem ter tanta energia?” é um pensamento tão comum
em nós, adultos, quando olhamos para uma criança com todo o seu frenesim. Se
formos capazes de nos lembrarmos da nossa infância entendemos na perfeição, na
infância o tempo é outro, o ritmo também e para nós também a energia parecia
muitas vezes inesgotável.
Na escola, os currículos e a
duração das aulas e dos recreios estão desajustados das necessidades e
características das crianças. As crianças têm tanto a aprender para além da
aprendizagem formal, aprendizagens em forma de experiências, de reflexões, de
deixar-se sentir, do movimento, das quedas, de entender os limites do seu
corpo, e por aí fora... O que fazem com toda aquela energia, com a necessidade
de explorar, experimentar, tocar as coisas para as compreender? São aspetos
fundamentais para a construção da própria capacidade de pensar e a sala de aula
pode ser um lugar insuportável se não tiverem oportunidade de satisfazer estas
necessidades.
Fora da escola, os ritmos de que se
fazem os nossos dias são muito intensos e cada vez mais programados, onde a
espontaneidade das crianças parece não encontrar espaço para acontecer.
Não poderá isto, sem qualquer
caráter psicopatológico, propiciar um comportamento desajustado na sala de
aula?
Numa segunda linha, deparamo-nos
com a vivência de ansiedade e angústia, sentimentos que transbordam o corpo,
que a criança não tem ainda capacidade para pensar e portanto a tendência é
agir, quer seja ficando irrequietos ou mais agressivos. O aparelho mental
infantil não dispõe ainda de recursos suficientes para pensar o seu sentir,
para dar sentido às suas emoções e ser capaz de as digerir e elaborar, tanto
mais quanto mais disruptivas forem as suas experiências de vida e menos suporte
emocional tiverem. Uma criança ansiosa é
muitas vezes uma criança que não pára e age à mercê dos seus sentimentos.
Este aspeto pode ligar-se a
questões de carácter mais psicopatológico, que pode ter a ver com um
funcionamento mental mais regredido ou com algo mais pontual e reativo a alguma
situação perturbadora.
Emílio Salgueiro entende
hiperatividade como uma “resposta psicomotora ajustada a circunstâncias
pessoais, familiares, escolares e sociais sentidas como intoleráveis” (Revista Portuguesa de Pedopsiquiatria, 2005).
Depois dos diagnósticos de
hiperatividade filtrados e compreendidos à luz destes aspetos, questiono-me no
final das contas qual seria a incidência deste diagnóstico e das crianças
medicamentadas.
Nem de propósito, reforçando a
necessidade de falarmos sobre este tema, foi noticiada uma medida preocupante
adotada por escolas na Alemanha. O uso de coletes de areia, que podem pesar
entre 1,200 e 6 quilogramas, com o objetivo de acalmar e manter sentadas as
crianças consideradas hiperativas ou indisciplinadas. Desta forma resolve-se no
corpo, o que o corpo extrassa em forma de alerta do que a mente não consegue
conter? Impõe-se uma restrição, prende-se o movimento, invade-se a liberdade ao
invés de ensinar e de encontrar soluções que permitam ao próprio descobrir
formas de se conter? Parece-me que esta prática vai no sentido contrário do que
a comunidade educativa deveria adotar.
Em Portugal os dados da Infarmed
são alarmantes, relatam um aumento de medicação das crianças com diagnóstico de
hipertavidade e défice de atenção (metilfenidato) de 133 mil em 2010, para 270
mil embalagens em 2016.
Continuemos então a debruçar-nos sobre este tema e a procurar sempre a melhor forma de ajudar as “nossas” crianças, afinal de contas quem nunca ouviu esta frase na sua infância: - Parece que tens bichos carpinteiros! E não havia ritalinas na altura...
Continuemos então a debruçar-nos sobre este tema e a procurar sempre a melhor forma de ajudar as “nossas” crianças, afinal de contas quem nunca ouviu esta frase na sua infância: - Parece que tens bichos carpinteiros! E não havia ritalinas na altura...
Drª Filipa Rosário
O Canto da Psicologia
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